Na postagem anterior escrevi que o encontro e desencontros são dois lados de mesma moeda. Um depende do outro para existir, e quando um dá as caras o outro fica oculto, na espreita, do outro lado da relação ou da ausência desta.

Para a complementariedade da tese, partirei da segunda parte do verso da música Samba da benção de 1967, de Vinicius de Moraes e Baden Powell: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nessa vida”. 

Por qual motivo há tanto desencontro nessa vida?

Há várias razões que levam a acessar o outro lado da moeda, a face do desencontro; estas razões podem ser pela força da vontade ou pela força do acaso. Vou excluir dessa tese a possibilidade do acaso, e destacar somente o que vem da vontade própria.

Por que decidimos pelo desencontro se somos seres sociáveis?

Em nossa estrutura histórica, desde a pré-história até os dias atuais, sempre procuramos viver em grupo. Seja pela busca por segurança, por conta das mudanças do ambiente, pela busca do alimento, ou para se proteger dos predadores, ou ainda, pela competição; sempre estamos em busca da convivência.

Então, trago de volta a pergunta: “Por qual motivo há tanto desencontro nessa vida?”

Não é possível trazer aqui um compêndio sobre esta indagação, até porque teria de ser realizada ampla pesquisa para abordagem deste tema complexo. Isto levaria meses. Optei por ficar somente no café com leite, só no básico das ideias.

Mas antes de entrar em alguns nós da relação, ou ainda, os nós dos desencontros, temos que saber que toda relação requer um certo aspecto de compromisso, de fidelidade — Comte-Sponville, no Pequeno tratado das grandes virtudes, explica que “a fidelidade é a virtude do mesmo, pela qual o mesmo existe ou resiste” — e uma dose de tolerância — “a tolerância só vale contra si mesmo, e a favor de outrem”, enfatizava o mesmo autor.

Às vezes algumas coisas desagradáveis ocorrem, e é nesta hora em que uma relação saudável faz a diferença. Luc Ferry, no livro Aprender a viver, aponta que a “nossa natureza é naturalmente inclinada ao egoísmo e se quero dar espaço para os outros, se quero limitar minha liberdade às condições de sua integração com outrem, então é preciso que eu faça um esforço, é preciso mesmo que eu me violente”.

De acordo com J.D. Nasio, ao citar Freud, no livro A dor de amar, “o sofrimento nos ameaça de três lados: no nosso próprio corpo, destinado à decadência (…)”, no “mundo exterior, que dispõe de forças invencíveis e inexoráveis para nos perseguir e aniquilar”, e ainda nas “relações com os seres humanos”, ponto do qual é destaque nesta tese.

Ora, segundo o dicionário Houaiss, a palavra ‘relação’ tem como significado, dentre outros pontos, a ‘ação de dar em retorno’. Desta forma se não há retorno em uma relação, não há relação.  E se houver relação e esta é confusa, onde os pares não se entendem, talvez ambos estejam em níveis diferentes de sentimentos. Logo, compete a eles deixarem clara as suas pretensões, pois isto evitará certos excessos de sofrimentos.

Assim, para que os encontros sejam eternizados (que se prolongue), convém entre ambos, esclarecer que a partilha deve ser sincera e mútua, via de mão dupla. Não custa lembrar: somente no amor incondicional (ou o amor ao próximo) é permito uma única via, este não exige convenção. Todos demais sentimentos requerem sinergias. Basta seguir o conselho da raposa ao Pequeno Principe, na obra de Antoine De Saint – Exupéry: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.

Pois bem, vou considerar aqui o encontro entre duas pessoas, amigos muito próximos ou enamorados.

O que se pode aludir de antemão é que os encontros, melhor dizendo, os bons encontros trazem consigo as alegrias das descobertas, ou o cano de escape para as catarses — de qualquer forma, não deixam de ser descobertas. Daí em diante passasse a conhecer o outro, a fazer parte da vida daquela pessoa (o conhecer o outro, nos detalhes, vai depender da confiança mútua entre ambos), descobre-se as alegrias e as dores do outro, faz-se comparações, simpatiza-se e se reconhece nelas. 

Nos conhecemos através do outro, e neste processo de descoberta aprendemos que todos nós carregamos as alegrias e as dores da vida. Este conhecimento e comunhão aliviam o peso do mundo sobre nossas costas. A partilha de sentimentos, desejos e atitudes nos torna mais humanos, mais empáticos.

Mas os encontros não são somente para conversar sobre os dissabores da vida, entra também as diversas conversar com infinitos temas, desde os besteiróis até os assuntos mais picantes. A partilha é de bom alvitre, rende frutos e vicia. No término de cada encontro, sendo este de grande valia para os dois, o desejo de ambos é que aquilo se repita muitas vezes.

Contudo, na medida em que o tempo passa, se esta relação não for bem discutida no início, surge a monotonia; não há mais novidade, ou não souberam renovar o compromisso. Aqueles encontros nos quais foram tudo na vida, são triturados pelas engrenagens do tempo. Neste estágio entra em cena o cansaço, o abuso o acompanha. E é exatamente neste ponto que o desencontro, no qual estava à espreita, dá as caras.

De repente as coisas desandam, o outro já não tem mais a fonte da novidade. Tudo começa a se repetir: os problemas que antes eram deixa para conversas, passam a ser vistos como algo pessimista e rançoso; os besteiróis, que traziam risos e divertimentos, são tratados como asneira sem fim; a alegria se desfaz, a presença do outro, que antes era regozijo, transforma-se em estorvo.

Outro ponto para a chegada do desencontro é a presença do poder. Dentre eles, um tem de sobressair, tem de “dominar” e decidir pelo outro. Uma atitude dominadora — baseada em insegurança, medo de experimentar o novo porque deu errado em outro momento etc. — tende a comprometer, ou rebaixar, o outro da relação.

O encontro se dá pela superioridade de um em detrimento a condescendência do outro, um relacionamento neste estágio dificilmente durará. Contudo, se mesmo assim houver um relacionamento duradouro, é porque uma das partes decidiu-se por não existir como pessoa livre.

Ao continuar nos percalços de uma relação alinhavada novos problemas surgirão. A “ajuda suprema” vem para acrescentar mais transtorno. Um da relação tenta organizar a vida do outro, sem que a outra pessoa tenha solicitado.

A excessiva proteção, sem as devidas permissões, poderá gerar desconforto naquela que recebe ajuda. Se isto não for posto em discussão entre ambos, a relação desequilibrada de poder se encarrega de descontruir o restinho de convívio.

Por fim, uma outra, dentre tantas que poderia citar, é a chegada do EGO. Quando este assume a dianteira tudo de desanda mais rápido.

Cada um carrega seu kit da personalidade — valores, experiências, emoções, jeito de ser — que estará consigo seja para onde for, ou com quem estiver. É com esse kit, mais o kit do seu companheiro (ou companheira), que irão estar juntos nos encontros. A maneira pela qual cada um administrará o seu, tendo que adaptar-se ao do outro, dirá se o relacionamento será, ou não, auspicioso. A ausência de gerenciamento deste kit irá trazer muitos transtornos à relação.

Como já citei, mais acima, somos biologicamente e psiquicamente inclinados ao egoísmo, mas também temos capacidade de controlar certas atitudes egocêntricas de modo a contribuir para um relacionamento duradouro — ou como se dizem nas cerimônias: até que a morte os separe.