Ultimamente os índices de violência vêm crescendo assustadoramente, o site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) traz vários dados nos quais servem de parâmetros. O aumento da violência gera diversos problemas sociais. O medo cresce e gera pânico, a sociedade é forçada a clamar por segurança.

Palavras como “violência” e “segurança” aparecem frequentemente juntas quando uma delas é citada. Ao contrapor ambas no Google Trends (ferramenta que permite acompanhar a evolução do número de buscas por uma determinada palavra-chave ao longo do tempo) — a comparação foi realizada em 1º de maio, às 4h44min. —, tendo o Brasil como parâmetro, observou-se que a palavra “segurança” obteve 94 pontos, contra 29 da palavra “violência”.

Em outro momento, ao acrescentar o vocábulo “medo”, e em seguida fazer a comparação com “violência” e “segurança”, percebeu-se que a linha correspondente ao “medo” aparece um pouco abaixo da linha que cita “segurança”. Observou-se, ainda, que somente em duas situações ela supera esta última (ver imagem abaixo).

A busca alucinada pela segurança movimenta toda uma sociedade em diligência a uma melhor forma de viver e evitar, naquilo que for possível, certos infortúnios. A nossa segurança está entregue nas mãos do Estado; este, que deveria ter todo o aparato necessário para realizar a tarefa, assume precariamente a incumbência.

O apelo por mais proteção tem levado muitas pessoas, pelo menos os de classe média alta, que não moram em condomínios, transformarem suas casas em presídio de segurança máxima com grades, vigias, câmeras e cães. Já os de classe média (e média baixa) a coisa já se complica ainda mais, posto que estes não têm condições apropriada para seu resguardo. Neste caso, eles dependem muito da proteção do Estado. A desconfiança da população em relação a responsabilidade do Estado em lidar com esta problemática cria incertezas, promove mais desordem e gera mais violência.

Este ano foi apresentado o ranking anual, dados de 2022, elaborado pela ONG mexicana – Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal — onde aparecem várias cidades brasileiras sequestradas pela violência. Neste ranking está Mossoró (cidade da qual vos escrevo), no Rio Grande do Norte, com uma das piores taxa de homicídios por 100 mil habitantes, ocupando a 11ª posição na lista mundial.

Mossoró também estava nas últimas notícias sobre violência nas escolas. Ameaças de ataques foram veiculadas via redes sociais e geraram pânico. Algumas escolas da cidade, sob a orientação de órgãos de segurança estadual e municipal, suspenderam as aulas e/ou utilizaram-se de aulas remotas.

Convém destacar que a insegurança nas escolas não é de agora, há tempo que elas deixaram de ser um lugar seguro e de integração social. A violência está em várias áreas na sociedade, ela entrou na instituição escolar pela porta da frente.

Vários fatores contribuíram para isto, entre eles aponto que a escola já não é a única a promover as informações, e nem consegue totalmente transformá-las em conhecimentos, haja vista a velocidade de repasse das novas informações pelos meios de comunicação, muitos dos quais com jornalismo sensacionalista capaz de promover avalanche de desinformações — essa pecha tem piorado a cada ano. Informações mal digeridas e carregadas de Fake News trazem transtornos a escola e as famílias, além de gerarem mais violência nas instituições de ensino.

Cada vez que deparamos com mais violência mais clamamos por segurança. Contudo, quando buscamos a segurança perdemos liberdade e vice-versa. Segurança e liberdade são dois conceitos que parecem ser antagônicos.

O sociólogo Zygmunt Bauman cita este paradoxo no livro Modernidade líquida — o autor já produziu diversas obras (por exemplo: Nascido em tempos líquidos, Medo líquido, Amor líquido, Modernidade líquida) nas quais fazem referência as mudanças contínuas e velozes da sociedade. Saímos de uma sociedade “sólida” (no sentido de pesada, lenta) e estamos em uma sociedade “líquida” (no sentido de que sofre transformação com muita rapidez e que nada dura muito tempo).

O contraste entre modernidade sólida e modernidade líquida teve seu auge nos meados da segunda metade do século vinte, no qual a primeira foi marcada pela ordem, pela regulação e proibição; a segunda, marcada pelas incertezas, mudanças frenéticas e imprevisibilidade.

Hoje desfrutamos desta última, na qual a liberdade, os desejos e os sonhos fazem fluir a sociedade em direção a emancipação. A liberdade, e tudo que nela permeia, é a regra. Parece que sem as amarras a sociedade passa sentir-se mais feliz, serena.

Contudo, Bauman disse que esta forma de liberdade não garante por muito tempo a tão sonhada felicidade duradoura. Justamente porque a variabilidade e responsabilidade dos atos e das decisões incidem, direta ou indiretamente, em cada indivíduo. Neste caso, a ausência de discernimento faz com que as deliberações sejam pautadas única e exclusivamente pelo próprio indivíduo, sem levar em conta a consciência de grupo, ou, como expressou o sociólogo David Émile Durkheim, a consciência coletiva.

Assim, a busca pela felicidade atrelada a liberdade e a segurança, como duas possibilidades congruentes, passa a ser utópico — temos que contentar com as escolhas onde ter tudo não é a regra. Mas saber escolher e aceitá-las são nosso imperativo categórico, para lembrar Immanuel Kant em seu conceito filosófico.

Encerro, então, estas breves palavras com uma indagação seguida de uma resposta de André Comte-Sponville: “O que nos falta para ser feliz, quando temos tudo para sê-lo e não somos? Saber viver”. Repito e acrescento: saber viver nestes tempos tão líquidos e, algumas vezes, paradoxal.