Em uma certa etapa da minha vida de professor tive vontade de saber quais seriam as opiniões dos alunos depois de um tempo de nossa relação (aluno-professor). Achava que aqueles que ficaram reprovados teriam opiniões não muito agradáveis sobre a disciplina de Química, ou mesmo sobre a metodologia que aplicava nas aulas; já os que haviam passado de ano, salvo algumas exceções, teriam opiniões mais favoráveis a disciplina e ao professor.

Desta forma, pensei em fazer registros destas opiniões em um caderno, dei preferência aos alunos que estavam encerrando sua vida escolar (alunos da terceira série).

Dei o nome de “Caderno de registro de opiniões”; porém, os alunos diziam que era “Caderno de mensagens”, outros diziam que era “Caderno de assinaturas”. Na verdade, passou a ser Caderno de mensagens, posto que, como eu repassava o caderno somente quando estava muito próximo de encerrar o ano letivo, ou seja, já próximo das festas natalina e de Ano-Novo, as frases, em sua maioria, estavam relacionadas a felicitações de boas festas e agradecimentos.

Uma aluna, digo uma artesã em potencial, usando da sua singularidade, pegou este caderno e desenhou na capa o meu — digamos assim — avatar. Gostei bastante da criatividade.

Pois bem, para que eles tivessem plena liberdade para escrever o que desejassem, o caderno deveria ser repassado logo após, ou um pouco antes, da finalização do ano letivo. Neste período eles já teriam alguma ideia se iriam, ou não, para a recuperação ou se já estavam aprovados ou reprovados direto (retidos). Assim, os mais críticos já poderiam deixar as suas revoltas. Eles teriam a liberdade de colocar as suas opiniões sem que temessem uma suposta retaliação da minha parte.

Mesmo assim, e isso ocorreu logo na fase inicial, poucos ainda alimentavam a ideia de que se colocassem algo desfavorável a minha pessoa (ao profissional) poderiam sofrer algum tipo de crítica da minha parte. Daí surgiram as perguntas:

— É verdade? — perguntou uma aluna.

— O quê? — perguntei para ela.

— Que você não irá ficar com raiva se alguém colocar mensagem “nojenta” no Caderno de mensagens? — disse contraindo o rosto, fazendo cara feia.

— Talvez, com raiva posso até ficar, mas isso logo passa. Contudo, e isto eu garanto, a pessoa que assim se comportar não irá sofrer qualquer retaliação. Até porque, as notas já estarão fechadas quando eu receber o livro de volta.

— E se a pessoa escrever coisa ruim sobre você, vai ficar no caderno? — perguntou ela.

— Sim, vai, desde que não sejam palavrões. E, ainda, prometo que a mensagem irá ficar para a história da minha vida profissional.

Certos estudantes levam para o lado pessoal a forma pela qual nós, professores, damos o resultado de sua reprovação. Alguns alimentam raiva momentânea, saem remoendo impropérios, mas bastam algumas horas, ou dias, que tudo volta ao normal. Já outros, alimentam raiva que poderá durar muito tempo, às vezes mais de ano, ou anos.

Boa parte dos alunos (e de estudantes de um modo geral) sempre acha que é somente o professor o responsável pela sua reprovação. Em conversas com estes alunos costumo dizer que quando eles passam por média, ou na recuperação, eles saem gritando: “Eu passei!”. Mas quando são reprovados eles afirmam: “O professor me reprovou”. Ou seja, em seus dizeres, eles sempre passam de ano, e nós sempre os reprovamos.

Neste Caderno de mensagens estão registradas frases alvissareiras, até mesmo de alunos que haviam sido reprovados. Mas também têm as caricatas, que aparecem escassamente, que foram temas para muitos anos de fofoca na escola — claro, todos aqueles que se dispusessem a colocar a sua mensagem poderiam ver o que os outros haviam escrito (cada aluno levaria o livro para a sua casa e, após escrito a mensagem, repassariam para os demais), pois eu sempre usava o mesmo livro ao fim de cada ano letivo.

Pois bem, a mensagem na qual refiro-me está aqui, logo abaixo, apresentada na forma de imagem e transcrita (para melhor leitura). Para evitar maiores transtornos, novo ciclo de fofocas, irei censurar os nomes dos alunos.

Leia a transcrição da mensagem (ipsis litteris):

“Algumas pessoas te acham legal, divertido, descontraido, e tem até quem te chame de amigo. Há todas estas pessoas eu chamo de falsas, porque na realidade todos te odeiam, e só dizem isto por medo de você baixar as notas deles, e não conseguirem passar de ano, e ninguém te odeia mais do que eu, você é uma pessoa insuportável, sua voz mim irrita. A minha maior vontade é de ir ao seu enterro e cospir em seu caixão, desgraçado, toda a noite sonho com sua morte. Espero que tudo o que você planejar ou fazer saia errado ou pior. Eu te amaldiçou e desejo que todos os demonios que habitam esse maldito planeta te acompanhe para o resto de sua miserável vida, e quando você morre espero que sua alma queime nas profundesas do inferno.

Seu lezado.”

Imagem do texto original transcrito acima

No decorrer da leitura fiquei um pouco preocupado, as palavras eram fortes, ameaçadoras, carregadas de raiva.

Neste momento lembrei da frase de Buda: “Guardar raiva é como segurar um carvão em brasa com intenção de atirá-lo em alguém; você é que se queima”.

Inicialmente tive vontade de passar para a mensagem seguinte; contudo, achei que deveria ler qualquer que fosse a opinião, prossegui na leitura.  Mas ao chegar no “Seu lezado” rir bastante. A forma jocosa de expressão é quase um estereótipo de mancebos em rodas de amigos. A rizada retornou durante a noite quando, ao me deitar, olhei para um espelho e disse: vá dormir, seu lesado.

— Você reprovou essa pessoa? — perguntou uma outra aluna que havia lido a mensagem.

— Não. Ela se reprovou. Quando tive contato com o Caderno de mensagens, quando ele foi devolvido a mim, já havia passado um mês e alguns dias do término das aulas. A última aluna havia deixado o Caderno de mensagens na casa de uma colega dela, que me conhecia, e ela entregou a mim.

— Vai dar muito o que falar — disse ela sorrindo.

— Já deu. E ainda repercute — disse ao olhar para ela.

O Caderno de mensagens está repleto de criatividade: mensagens com recortes de revistas ou jornais formando palavras, desenhos de Mickey Mouse e Minnie Mouse (namorada do Mickey) apresentando uma frase, tem foto de bebê, cartões natalinos, mensagens acompanhadas de coraçõezinhos, mensagem com personagem da turma da Mônica, com avatares, tem até guardanapo colado na folha com a seguinte mensagem: “guarde esse simples papel, como lembrança da sua amiga de sempre…”, tem também pedidos de desculpas, mensagem desejando as bençãos de Deus e Santos, tem mensagem com cartinhas contendo outra mensagem dentro, mensagem acompanhada de um desenho do Buda meditando, cartão colado na folha trazendo desejos de feliz Ano Novo e um desenho de uma garrafa de champagne decorada, mensagem com o desenho do Piu Piu, tem mensagem de terror: Máscara do Pânico em EVA etc.

Todas elas têm o seu valor, seu potencial (sejam desaforadas ou não). Guardo-as com zelo.