Todos nós passamos por diversas crises das idades, cada qual com as suas peculiaridades. Na adolescência a sensação de imortalidade, a rebeldia e a contestação são forças que tornam as crises mais temperadas.

Certa vez, uma adolescente ao olhar para meus primeiros cabelos brancos comentou que eu deveria pintá-los.

— Por quê? — perguntei.

— Ué! Porque é muito feio ficar com os cabelos brancos. Parece um vovozinho — disse franzindo a testa.

No momento pensei em dizer que o envelhecimento vem para todos, e não é uma opção de escolha, desde que a escolha não seja o suicídio.

— E qual o problema em ser um vovozinho? — disse, ao olhar de revestrés para ela.

— Porque você ainda não é um vovozinho, ainda está mais ou menos jovem.

— Então, se você está reconhecendo que eu ainda sou “mais ou menos jovem”, é porque ainda não sou um vovozinho. Logo, não seria necessário pintar os cabelos porque, assim como você, outra pessoa também poderia reconhecer o mesmo. Além do mais, consigo me aceitar da forma como estou.

Ela me olhou com um ar de reprovação e sorriu — ou melhor, gargalhou. Talvez para não dizer umas poucas e boas sobre minha resposta às suas indagações, se calou. Mas não durou muito tempo, até que olhou novamente para meus cabelos e completou:

— Não diga que eu não tentei te ajudar (outra gargalhada).

* * *

Durante todo o ano escolar estou sempre acompanhado de jovens cuja faixa etária está entre 15 e 18 anos. Com algumas exceções são exímios sonhadores. Acreditam piamente que o mundo está em suas mãos, e sabem que poderão usá-lo da maneira que convier. No entanto, boa parte da vontade propulsora que cada um carrega não é suficiente para mantê-lo no rumo certo, na meta estabelecida. Não tem o domínio do leme, está à deriva, perdido nas correntezas das distrações.

— Vou me formar em medicina e montar minha própria clínica — expressou um estudante, pouco aparecia na escola, e dizia que estava ali porque a sua mãe o obrigava.

— Você vai me ajudar? — perguntou-me de maneira ríspida.

— Somente quando você se ajudar primeiro — devolvi-lhe na mesma intensidade.

— Ajudar, como?

— Estudando.

— Não gosto muito de estudar — resmungou em seguida.

— Mas o que você está fazendo para chegar a sua meta? — perguntei, já sabendo de suas atitudes diante dos estudos.

— Estou vindo para a escola, não está vendo?  Agora, se você me reprovar não posso ser doutor; aí a culpa já não é minha, é sua (risos).

Matutei por alguns fragmentos de instantes: “Quantas pessoas seriam vítimas da incompetência de um futuro médico que não estuda?”. É claro que não estava pensando neste específico estudante, que não gosta de estudar. Provavelmente ele não irá muito longe em sua meta pensando desta forma.

— Tô brincando, viu? Nem você me reprovando — disse ele apontando para mim com o dedo indicador em riste — irá impedir que eu faça o Enem para Medicina, pois farei uma prova no Supletivo e passo em sua matéria — concluiu com um sorriso sarcástico.

Levantou-se da cadeira, bateu em meu ombro, e saiu alimentado em seu ego. Sua maneira em olhar para mim, antes de passar pela porta da sala era de que haveria de ganhar a parada no final de tudo.

Creio que em algum momento de suas vidas, com o avançar da idade, alguns destes adolescentes irão aprender — ou pelas vias do menor esforço, menor sofrimento, ou pelas vias do maior esforço, muito sofrimento — que é necessário ter um pouco de consciência e de responsabilidade. Contudo, a tenra idade os ludibria, pensam que são invencíveis e agem como tal. Nada mais exato do que a frase atribuída a Felipe Pondé na qual menciona que o adolescente quer mudar o mundo, mas não arruma o seu próprio quarto.

Para não arrumar o quarto, eles tentam mudar o mundo.  Porque a organização consome muita energia e que, tão logo terminem de arrumar, a desorganização dá as caras. O melhor para eles é ajudar o mundo sentado de frente para a tv assistindo filmes de sua preferência; ou ainda com seu iPhone, dando um like ou curtida em sites ambientais, de gênero ou racismo.

* * *

— Por que você ainda não se casou? — perguntou uma aluna.

Mentalmente, lastimei: “Lá vem aquela pergunta que, quando se chega a uma certa idade, todos começam a cobrar de você uma resposta que seja agradável aos ouvidos dos inquisidores. Como se o casamento fosse uma sequência da vida, algo improvável de não acontecer”.

— Hem? Diga! Por que você não se casou? — repetiu a pergunta quando percebeu meu silêncio.

Pensei em dar uma resposta à la Quintana: “Sempre preferi deixar dezenas de mulheres esperançosas a uma só desiludida”. Mas preferi responder com outra pergunta, só para saber qual o ponto de vista dela sobre o casamento.

—Por que deveria me casar?

— Ora mais! Na sua idade, casamento é uma obrigação. Você precisa de alguém para conversar, para ter filhos, para viver com você o restante da sua vida. Ficar aí sozinho, sem uma mulher, vai enlouquecer pela falta (gargalhada).  

Mais uma vez olhei de revestrés, agora na direção do grupo que estava com ela. Inspirei tranquilamente, estava com várias respostas na ponta da língua, escolhi a mais conveniente para uma boa conversa.

— Tudo isto que você falou eu poderia dispor sem um casamento. Casar não me garante tudo do que foi dito, nem a minha felicidade e nem a felicidade de quem esteja comigo.

Mas ela não se deu por satisfeita.

— Ah, além do mais, seus filhos irão te ajudar na velhice, até mesmo quando você estiver gagá. Você precisa ser feliz (gargalhadas).

Não sei o porquê que uma parte dos adolescentes quando faz uma pergunta pessoal costuma dar gargalhada, principalmente quando está em grupo. Ou é deboche ou é da fase, ou os dois.

Senti que ela queria fazer outra pergunta, mas como estava com mais duas amigas e dois amigos — onde os dois rapazes estavam de braços dados com as amigas da perguntadora oficial, eleita pelo grupo — ela resolveu mudar de assunto.

— Então…deixa pra lá. — Cortou o próprio suspiro, e perguntou:

— Quando o senhor vai colocar as notas no sistema?

* * *

CONTINUA NA PRÓXIMA POSTAGEM, AGUARDE!