Prédio do Café Mossoró ( registro – ano 2022)

Ainda que a cidade de Mossoró (encravada no estado do Rio Grande do Norte) seja conhecida como a Capital da Cultural Potiguar, pode-se perceber que há grande vazio cultural a ser preenchido até que se faça jus ao título. Os administradores públicos, quando muito, estão ocupados em mostrar serviços, ou melhor, maquiar serviços ao “civilizar” a cidade. A gestão patrimonial — que deveria cuidar, também, da parte histórica da cidade, art. 1° e 10° da Lei Municipal n°2.749/2011 — é corresponsável, mediante a sua passividade, por desfazer a história. Isso remete-me ao enredo no livro “1984” — um romance distópico da autoria do escritor britânico George Orwell e publicado em 1949 — no qual o Ministério da Verdade se encarregava de modificar a história de modo a deixá-la conforme a vontade do poder.

Em 2015 o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte se manifestou contra esse descaso. O pedido de liminar foi impetrado pelo promotor de justiça a fim de apressar uma mobilização por parte do Poder Público de Mossoró. Contudo, a lerdeza, sobretudo o descaso, contribuíram para agravar ainda mais a situação. Dois exemplos disso foram o prédio onde funcionava o Jornal Gazeta do Oeste, na avenida Cunha da Mota, demolido em 2019 e o casarão construído na década de 1930, demolido em maio de 2022.

Por sorte ainda temos vários prédios históricos de pé, e um deles é onde funciona o Café Mossoró. Esta cafeteria surgiu na década de 60, em outro prédio, e somente em 1974 começou a funcionar em novo endereço, rua Doutor Antônio de Sousa, no Centro da cidade. Era um dos pontos mais frequentado naquela época. Dizem que o cardápio era variado, mas tinha como padrão de venda a salada e o pastel. Porém fechou as portas na década de 90. Somente em 2022, sob nova direção, reabre.

Na quela época, em 74, eu não sabia muito bem o que era café, menos ainda o que era o Café Mossoró, eu era uma criancinha. Hoje, ele faz parte do meu dia — seja na forma simples, expresso, cappuccino ou gelado, com ou sem leite — em casa ou nos cafés da cidade.

Costumo frequentar, quando possível, algumas cafeterias. Nestes ambientes consigo adquirir um pouco mais experiência de vida. São nas cafeterias que as novidades, as antiguidades, as nostalgias e os mitos costumam aparecer. Estes ambientes são mágicos; neles observo os transeuntes, pratico a escuta indevida, coleto informações e fatos para a minha escrita, e ainda converso com amigos. Eu já escrevi um pouco sobre a importância e o luxo de apreciar um cafezinho, é só CLICAR AQUI.

Pois então, retomando a conversa sobre o Café Mossoró, somente agora, na reabertura, é que estou tentando ficar a par de algumas histórias que passara dentro daquele estabelecimento.

Recentemente estive lá para tomar um cafezinho acompanhado de um pedaço de bolo. Estava em meu momento de concentração, antenas ligadas, atento as nuances daquele instante, quando de repente escutei, em outra mesa, uma conversa dos outros. Passei a degustar mais lentamente o cafezinho, mordia vagarosamente um bolo seco — parte dele ia para a minha boca e a outra caia sobre a mesa. Tentava ganhar tempo para ouvir algumas histórias mitológicas mossoroense.

A conversa era sobre o antigo proprietário do Café Mossoró. A pessoa que estava sentada à mesa, ao meu lado, parecia ter frequentado o recinto naquela época — um senhor de uns setenta e poucos anos, acompanhado de mais duas outras pessoas, possivelmente com trinta e cinquenta anos, sentados de fronte para o contador de história que tentava contar um fato. Disse que o proprietário antigos do Café Mossoró tinha o pavio curto. Era como o “seu Saraiva”, no programa Zorra Total; ou, ainda — como é comum relacionar aqui na cidade — era como “seu Lunga”.

Eu estava de orelha em pé esperando a primeira joia sair, já que o contador de história gargalhava bastante antes mesmo de contar o dito fato. Ao recobrar-se, posicionou-se na cadeira, passou um lenço nos olhos, olhou para os dois companheiros e disse:

“Olha, eu vi tudo, estava bem pertinho do fato quando…”

Neste momento perdi a concentração, não consegui ouvir mais nada, pois sentou-se à minha mesa um amigo. Tinha me visto sozinho na cafeteria e parou para falar comigo e tomar um cafezinho. Conversamos por trinta minutos, um bom bate-papo. Mas saí de lá sem conhecer o fato histórico. Retornei outras vezes e não vi mais este senhor. Talvez nossa escala de horários no Café Mossoró não esteja batendo. O jeito é esperar nova oportunidade, ou ainda, buscar estas histórias no imaginário urbano de outros contadores de histórias.