
Em uma tarde de conversa com seu amigo, Fernando Dias traz à tona um certo desconforto emocional que há dias vem tentando solucionar. André Gomes, seu amigo de longas datas, percebia que Fernando estava cabisbaixo.
— O que houve, Fernando? Seu semblante está um pouco pesado. Desde ontem que venho notando.
— São coisas da vida, sabe? Acho que Freud explicaria isto melhor. Quando a gente tem filhos, não temos mais o nosso mundo particular, tudo nosso gira em torno deles. Pois, então, eu tenho dois, como você já sabe. Eles têm alguns devaneios que nós, pais, ficamos sem saber como ajudá-los a resolver certas angústias que aparecem.
— Como assim, certas angústias? — perguntou André, posicionando-se no banco da praça de modo a ficar mais atento a fala do amigo.
— Minha mãe faleceu faz dois anos, mas Jacinto e Rosa sempre perguntam por ela. Eles sentem a falta da avó e das suas historinhas que contava a noitinha. Tem uma história que, tanto Jacinto quanto Rosa, pedem para repetir várias vezes. Ela se passa na Serra Mossoró, onde um grupo de aventureiro vai cruzar a perigosa Serra em busca de uma flor do encantamento, que desabrocha durante a noite e dura apenas até o amanhecer do próximo dia. Diz a história que esta flor traz a felicidade de volta quando é retirada dela uma pétala para ser guardada até o fim do período chuvoso. Falei para eles que isto é apenas mais uma historinha contada pela avó. Não deveriam levar a sério tudo que fosse dito em forma de historinhas — minha esposa não gostou quando falei deste modo. Eles teimam em dizer que é verdadeira; e ainda disse que queriam ir lá para buscar a pétala da flor, pois a avó prometeu que levaria. Sinceramente eu desconheço esta flor.
— Julia Dias estava certa quando repreendeu você sobre a história. Eles são crianças, Fernando, e o mundo no qual eles vivem em suas mentes não é, necessariamente, o seu.
— Sim, eu sei. Mas como é que vou mostrar para eles essa flor se ela está em um local exótico, a uns trinta quilômetros daqui da cidade, e eu não sei nem que flor é essa.
— Posso contactar com alguns amigos meus, fomos de um grupo de teatro na escola. Hoje, eles são pesquisadores ambientalistas e conhecem a flora e fauna desta região. Se esta flor existir, eles vão identificar. As informações ao qual você tem são somente estas?
— Sim. Caso esta flor seja identificada, terei outros obstáculos a enfrentar: ir lá com eles para mostrá-la e tornar a ida uma aventura.
— Ora, Fernando, sobre isto, ir ao local e ser uma aventura, tenho como dar um jeito. Se vocês aceitarem a ideia a qual vou propor, seus filhos não só irão ver a flor, como irão gostar de terem ido. Para isto, precisamos de algumas ajudas. O plano é o seguinte…
Em poucos minutos André repassou todas as informações necessárias. Fernando ficou entusiasmado com a ideia, disse que mesmo se a flor não existisse já valeria o esforço em ir lá. Contudo, ele viu que colocar isto em prática daria muito trabalho, e dependeria da disponibilidade de algumas pessoas. Daí pensou: “Se estas pessoas entenderem o que é realizar o sonho de uma criança, eles irão ajudar”.
Em casa, Fernando contou sobre a conversa que teve com André, disse que se ela concordasse eles iriam montar o plano no fim desta semana para coincidir com as férias de quinze dias que ele tirará do trabalho na próxima semana. Julia estava muito atenta a fala de Fernando, vez em quando ela abria um sorriso confirmatório, ficou encantada com todas as proezas.
André montou a narrativa juntamente com Fernando e Julia; havia, ainda, conseguido informações de que a flor realmente existia. Juntou-se a isso a empatia dos amigos dispostos a ajudarem. Uma semana depois o grupo colocou em prática o plano, era um fim de semana de ventos frescos e terra molhada no semiárido nordestino.
— Para onde a gente vai, mãe? — perguntou Jacinto, observando a mãe calçar os tênis.
— Nós vamos ali — disse Julia ao olhar primeiramente para Rosa e depois para ele.
— Ali, onde? Pai vai também? — perguntou Rosa.
— Vai, sim.
— Cadê ele? Foi pegar bicho? — Rosa perguntou olhando para a calça Camuflada de Brim do pai que estava sobre a cama.
— Não. Ele não vai caçar bicho; a gente vai a uma aventura.
— Posso ir, mãe? — grita feliz Jacinto, dando alguns pulos.
— Todos nós vamos.
— Eu vou também, mãe? — pergunta Rosa com os olhos brilhantes.
— Sim, minha filha. Nós todos iremos.
— E pai vai também? Por que ele não está aqui, mãe?
— Ele foi pegar umas encomendas de roupa na casa do amigo dele; já está quase chegando.
Alguns minutos depois Fernando chega carregando duas grandes mochilas com roupas apropriadas para a aventura, dentro estavam as indumentárias para as crianças. Uma hora depois eles estavam a caminho da Serra Mossoró, localizada na porção noroeste da Bacia Potiguar, que fica entre os municípios de Mossoró e Baraúna, no semiárido. No caminho para o local da aventura já era possível ver ao longe a elevação. Fernando parou no acostamento, desceu do carro e pediu para que todos descessem também. Chamou Rosa e Jacinto, apontou para frente e mostrou-os que aquela elevação ali, mais adiante, era para onde estariam indo para encontrar a rosa que a avó deles havia falado.
— Mas pai, o senhor disse a gente que ela não existia — redarguiu Jacinto, estranhando a fala do pai.
— Foi, sim; mas ontem mesmo perguntei a um amigo meu e ele disse que existia. Sua avó estava certa. Nós vamos lá para pegar a felicidade. Provavelmente haverá perigo, não sabemos o que pode acontecer conosco. Vocês querem ir? Tem certeza de que terão coragem para ir lá?
— Sim, pai, sim…sim… sim — disse Jacinto pulando de alegria
— Sim, sim…eu vou também, eu vou também — disse Rosa, ao pular e puxar na calça da mãe.
— Vamos Julia, vamos embora, em busca da felicidade, pois nossos aventureiros estão muito entusiasmados.
— Vamos, meu bem, vamos todos — disse Julia, ao pegar nas mãos das crianças as levando para o carro.
Eram dezesseis horas quando chegaram na base da Serra Mossoró. A uns setecentos metros deles, no sopé, havia uma casa pequena.
— Olhe, mãe e pai, logo ali. Tem gente lá — disse Jacinto apontando para uma pequena casa que estava sendo engolida pela sobra da Serra Mossoró — está soltando uma fumacinha na parte de cima da casinha — completou.
— É verdade. Vamos lá, Julia. Precisamos de água para iniciarmos a subida — disse Fernando.
Ao chegar ao local foram atendidos por um tal de Marcos, O selvagem, que lhe deu água e contou como é a subida até o topo.
— Boa tarde. Eu sou Fernando, estes são meus filhos: Jacinto e Rosa; e esta é minha esposa, Julia. Somos daqui de perto, da cidade de Mossoró. Prometi a meus filhos subirmos a Serra Mossoró para encontrarmos a flor que traz a felicidade. Decidimos passar aqui em busca de água e conselho, já que o senhor parece viver mais tempo por estes lados. O senhor poderia nos ajudar?
— Estes são seus filhos? Já são grandinhos. Claro, posso ajudar. Se vocês permitirem irei com vocês. Antes de entrar nesta aventura darei alguns conselhos…
Marcos Junior, o selvagem, contou alguns cuidados que deveriam ter: informou alguns pontos de apoio para descanso, também falou que está previsto algumas chuvas por estes lados e há perigo de deslizamentos; disse, ainda, que próximo ao topo da Serra Mossoró há uma casa onde vive uma vidente. Se pedirmos ajuda, ela irá localizar o ponto exato da planta que tem este tipo de flor. Contudo, até chegarmos lá, teremos que ter muito cuidado, o local é protegido por vários seres da noite. Jacinto e Rosa ouviam com muita atenção a fala grossa e arrastada do Selvagem, era assim que Jacinto se referia a ele.
Ao fim de uma tarde úmida, os cincos saem da casa. Dão início a subida. Fernando aponta para o céu e mostra aos filhos as nuvens stratus, acinzentadas, parecia que a noite não seria fácil. Jacinto e Rosa olharam para a mãe, que já vestia um casaco preto para se proteger das intempéries daquela noite. Eles também solicitaram os seus casacos. Estavam prontos para a jornada.
— Vou um pouco mais afrente, a sete metros de vocês — disse Marcos, segurando um candeeiro e um facão um pouco enferrujado, mas bem amolado. — Fernando, você vai atrás de mim e as crianças ficarão entre você e a sua esposa; vamos andar em fila indiana, um atrás do outro, pise somente onde eu pisar. Não saiam da trilha que irei fazer.
— Estou com medo, mãe — disse Rosa, ao segurar na mão de Julia.
— Calma filha, vai dar tudo certo.
Jacinto olha um pouco mais para o lado da Serra Mossoró, em uma planície, no horizonte. O céu estava amarelo. Ao desviar um pouco o olhar para o lado esquerdo percebeu algo parecido com as palmas de várias mãos, a luz amarelada esculpia uma silhueta de algo largo, como se a natureza levantasse várias mãos e pedisse a eles para pararem, não fossem mais adiante.
— O que é aquilo acolá, Selvagem?
— Aquilo ali é o Palma-de-espinho. Vamos encontrar muitos pelo caminho. Tenham cuidado, há muitos espinhos nele.
A noite caiu rápido, nuvens nimbostratus, cinza escuro, já tomam boa parte do céu; ao longe relâmpagos clareavam o horizonte.
— Vamos, depressa! No mais tardar, até antes do amanhecer, essa chuva chegará aqui — disse Marcos.
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