
Veja a 1ªparte clicando AQUI
O grupo avançava na mata, com poucos minutos de subida Rosa percebe algo acompanhando-os no escuro. Grita de medo e aponta com a lanterna para a coisa que se arrastava.
— Deve ser o dragão do mato, eu lembro da história da vovó sobre ele. Ele se arrasta e enlaça nossas pernas para nos derrubar e depois comer o nosso coração — disse Jacinto, muito assustado e já pedindo ao pai para correr para longe daquele local.
— Coragem, filho, coragem. Lembra o que combinamos? Temos que atravessar esta perigosa Serra para encontrarmos a flor.
— É um iguana — disse Marcos, apontando com o candeeiro a procura do animal — veja só o rastro. — É o dragão do sertão. Fique atentos, tens uns que nos açoita com o rabo. Pior ainda, se ele está por aqui, é sinal de que há serpentes por perto.
— Serpente?! — disse Julia, olhando assustada para Fernando. — Precisamos ter cuidado com as crianças, Fernando. A coisa está mais perigosa do que pensava.
— Ai, ai ai, pai, ai, ai, pai tá doendo…tá doendo, fui picado por uma serpente — disse aos gritos Jacinto.
— Julia correu assustada e puxou Jacinto do local tão rapidamente que a lanterna dele caiu entre os cardeiros.
— O que houve, meu filho, o que houve? — chegou Fernando às pressas com uma lanterna alumiando o solo e a perna de Jacinto.
— Não é marca de serpente — falou Marcos aproximando o candeeiro da outra perna — é espinho dos cardeiros. Sente ele ali que vou colocar um pano umedecido com unguento para diminuir o sangramento e a dor. Daí a pouco Rosa diz que ali mais abaixo tem um dragão olhando para ela, e pede a mãe para segurar em sua mão. Julia foca com a lanterna e não ver nada.
— Não é nada, filha. Fique calma. Marcos conhece bem estes animais, ele sabe eles não farão mal a nós.
Depois de cinquenta minutos de subida, dando algumas voltas repetidas, andando em círculo, sem que as crianças soubessem, só para ganhar tempo até que chegasse Gertrudes Feitosa — amiga de Fernando e André — no casebre abandonado.
— Olha, pai. Tem alguém ali naquela barraca, está sentado na varanda — disse Rosa apontando para um pequeno casebre no meio da mata.
— Vamos lá, Marcos — disse Fernando de maneira enfático — o pessoal aqui precisa descansar.
A senhora Gertrudes, a vidente, recebeu todos em seu pequeno casebre. Tinha um pequeno candeeiro pendurado no meio de uma salinha apertada, um fogão a brasa aquecia a água em uma chaleira enegrecida. Gertrudes contou que já esperava eles, tinha visto em uma visão, sabia que estavam à procura da flor. Contou que sabia como localizar ela nesta escuridão. Porém, eles teriam que primeiro achar a flor da catingueira, e trazer para ela. Através da fumaça da flor, quando colocada na fogueira feita de pau-branco seco, ela saberia o local exato da flor da felicidade.
— Mas atenção, a flor da catingueira só pode ser colhida por criança. Somente uma mão pura poderá transportá-la para a fogueira — disse Gertrudes, ao olhar para Rosa e Jacinto. — Esta flor da catingueira fica logo ali, naquela estradinha apertada. Uma destas crianças tem que ir lá e trazer para mim.
— Eu vou, pai. Não se preocupe, estou com meu estilingue e nada vai me deter — disse Jacinto, com olhos arregalados, mas com coragem suficiente para vencer os obstáculos.
— Tenha cuidado, filho. Os dragões e as serpentes estão por aí.
O pequeno trajeto que Jacinto fez até chegar ao local onde estava a catingueira provocou nele uma enxurrada de ansiedade e medo. Os sons da mata, naquela noite, juntamente com os feixes de relâmpagos e os barulhos dos trovões, traziam o clima de terror. Apesar do medo, estava disposto a mostrar que tinha coragem e que fazia aquilo por sua avó. Quinze minutos depois, Jacinto estava de volta com a flor da catingueira. Com sorriso largo, olhou para Gertrudes e perguntou:
— É esta?
— Sim. Muito bem, menino corajoso. Agora, é ela quem irá acender a fogueira — disse Gertrudes ao apontar para Rosa, que estava segurando a mão de Julia.
— Mãe, eu não vou. Tô com medo!
— Filha, você tem que ir, se não fizer isso a gente nunca encontrará a flor da felicidade. É só acender a fogueirinha. Vá. Coragem, filha.
Rosa olhou para Marcos e para Fernando, como quem pedia ajuda.
— Vai, filha. Faça logo. Se amanhecer, não conseguiremos ver a flor da felicidade. Daqui a algumas horas ela morrerá — disse Fernando, apontando para um feixe de lenha de pau-branco.
Com dificuldade, Rosa cria coragem e acende a fogueira. Em seguida, joga a flor da catingueira na minúscula chama. Alguns minutos depois a pequena labareda produz fumaça branca. Gertrudes introduz um recipiente em meio à fumaça para coletá-la. De posse do objeto transparente, com a fumaça confinada, ela o eleva na direção do céu e olha diretamente para o objeto, sob a luz de rajada de relâmpago ao longe, e diz:
— A flor que vocês procuram é a flor do mandacaru, uma planta parecida com um grande candelabro. A planta está a dois quilômetros daqui, fica dentro do círculo dos facheiros. A flor é protegida pelos espinhos do mandacaru e dos facheiros. Vocês devem ir até o cume da Serra e descer pelo outro lado. A flor grande e branca, cheia de pétalas, fica no alto do mandacaru com oito metros de altura. A planta tem lindos frutos grandes na cor de vermelho-vivo. Não tem como errar. Quando estiverem próximo ouvirão a gralha-cancã e o periquito-da-caatinga cantarem, ao ouvirem estes sons, olhem para baixo e sigam a trilha das cutias. Devem chegar lá antes que a coruja buraqueira, de uma perna só, cante. Vão, rápido!
Jacinto e Rosa ouviam atentos as instruções de Gertrudes, como quem ouviam as histórias da avó. Logo após receberem as dicas da vidente eles saíram às pressas. Rosa e Jacinto, assumiram a frente, seguiram pela trilha indicada pela vidente. Marcos, Fernando e Julia seguiram mais atrás, embora muito próximo das crianças. Os trovões estavam mais pertos, a umidade dificultava a respiração, o suor aumentava conforme o esforço aumentava na subida. No caminho encontraram Enzo Silva — que dizia ser caçador de papa-defunto, o tatupeba — ajudou ao grupo a chegar no local demarcado, onde ele tinha uma pequena cabana feita de folhas e galhos de árvores na qual usava como esconderijo. Ao chegarem no pico da Serra Mossoró eles viram a imensidão do escuro onde os relampados mostravam, em flash, a mata densa e cheias de segredos. Respingos de chuvas misturavam-se com o suor dos rostos. Começam a descer a passos largos. Alguns minutos depois ouviram os cantos e gritos de aves, como a vidente falou. Eram os sinais de que estavam perto. Jacinto alumiou mais próximo do chão e viu a trilha, era um caminho pequeno, a trilha das cutias. Enzo disse que estavam mais ou menos a uns oitocentos metros.
— Estamos bem próximo, o mandacaru com a rosa deve estar a uns oitocentos metros. Se fosse durante o dia a gente já conseguiria ver. Vamos, sigam por aqui — disse Enzo apontando para frente, exatamente no caminho das cutias.
Mais alguns minutos, mata adentro, eles veem o candelabro se destacando entre os facheiros em círculo, como a mais alta de todas. Todos do grupo elevaram as lanternas para o alto da planta e presenciaram a mais linda das flores, de vida curta. A brancura se destacava, sob a luz das lanternas, do verde escuro. Jacinto e Rosa precisavam chegar mais próximo e sentir o aroma das pétalas. Deveriam arrancar uma das pétalas e guardá-la até o fim do período chuvoso.
— Temos que abrir uma passagem entre os facheiros — disse Marcos, ao mostrar um local semiaberto, porém, entrelaçados de espinhos secos.
— Eu tenho duas foices na cabana, que fica aqui pertinho. Vou pegá-las — disse Enzo.
Com os instrumentos em mãos eles abriram uma passagem, todos entraram com dificuldade. Dentro do círculo tiveram que improvisar uma plataforma que levassem Jacinto e Rosa até próximo da flor. Enzo teve a ideia de cortar vários galhos de alguns umbuzeiros que estavam próximo deles. Todos do grupo se mobilizavam para amarrá-los com cipó-caatinga, entrelaçando-os de modo a produzirem uma única escada dupla. Ao fim da peleja, passava das duas da manhã, estavam cansados. Para complicar, vento frio e cheiro de chuva aumentavam um pouco de intensidade. As horas avançavam, a morte da flor estava muito próxima. Rosa subiu primeiro, acompanhado de Jacinto. Os demais ficaram embaixo, a espera, seguravam a escada dupla e alumiavam o alto da planta.
— Pai, ela é linda como a vovó disse; ela é linda, mãe…é linda…linda, pai, ela é linda. — disse Rosa, ao olhar bem próxima da flor, — tem cheiro doce, mãe, tem cheiro doce — disse ao sentir a flagrância de uma das mais belas das flores da caatinga.
Jacinto olhava aquilo como a única coisa que existisse no mundo. Aquela beleza natural fazia escorrer lágrimas dos olhos dele. Lembrou da avó, olhou para o céu e disse:
— Vó, eu estou vendo aquela flor que a senhora falou. Estou vendo, vó… estou vendo. Eu e a Rosa estamos vendo e sentindo ela.
Jacinto puxou a pétala e a colocou em um saco plástico. Ouviu o seu pai pedir para descerem, pois já começava a chover, eles teriam que sair logo da li. Enzo os levou para a sua cabana até que passasse a chuva e amanhecesse. Todos sentados em bancos improvisados ouviam o barulho da mata em período chuvoso. Na mente de cada um que estava ali havia a sensação de felicidade. A felicidade de poder ajudar aos amigos, a felicidades de poder participar dos sonhos dos filhos, a felicidade de estar em uma aventura que a avó havia contado, e ter conhecido a rosa da felicidade.