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Um pouco mais de três meses após ocorrerem as instalações das câmeras, inicialmente na casa deles, e uma semana depois, na escola onde Pedro e Raquel estudavam, começaram a surgir os problemas internos em ambos os locais.
Tudo começou quando Thomas, burlando o contrato firmado com a instituição escolar, invadiu o sistema de gravação das imagens e sons de todas as câmeras, passou a controlar as câmeras que tinham sensores de movimento e identificadores de rostos. De acordo com o contrato assinado por ambas as partes, a empresa que fosse responsável pela instalação teria que preparar os funcionários da própria instituição, os quais seriam responsáveis pelo monitoramento — a empresa não poderia ter acesso ao sistema na integralidade, somente em parte, e para efeito de manutenção. Thomas, de posse dos controles integrais das câmeras, começou a vigiar os filhos na escola, principalmente Raquel.
Num certo dia percebeu que Raquel havia começado a namorar um rapaz cujo estilo, hip-hop, não o agradava. Durante duas semanas seguidas o casal de namorado foi observado. Thomas recomendou a um de seus empregados a ficar de olho em Raquel. Todas as informações eram repassadas assim que Thomas chegava à empresa. Mônica não sabia que Thomas monitorava os filhos na escola. Em um dos encontros de Raquel com o namorado, Ricardo, no pátio da escola, ele havia trazido para ela oito paus de pães grissini italianos, finos e pequenos, que ele mesmo havia preparado em sua casa a partir de uma receita da sua avó de descendência italiana.
Os pãezinhos estavam embalados em quatros folhas de papeis manteiga. Sentados embaixo da copa de uma mangueira, onde havia câmeras instalada a cinco metros deles, ela pegou os finos e compridos pães e os colocou dentro de uma bolsinha que trazia para a escola. Todo aquele movimento estava sendo observado pelo funcionário de Thomas. Por conta do ângulo de gravação e a sombra embaixo da copa, o funcionário supôs que aquilo eram maços de cigarros caseiros, possivelmente maconha.
Imediatamente encaminhou as imagens para o WhatsApp de Thomas, na mensagem ele informava que aqueles objetos alongados poderiam ser drogas; informou também que não foi possível captar o som com nitidez, por conta do barulho de pessoas no pátio, mas havia retirado parte do ruído do áudio e eliminado outros barulhos de conversas, só assim conseguiu captar a seguinte frase: “(…) você vai gostar, se quiser mais trarei aos poucos. Lá em casa ninguém sabe que faço isso, só você e alguns amigos meus que gostam também”.
De posse das imagens e da transcrição de uma parte audível da gravação Thomas pensou em ligar e contar para a esposa, mas lembrou que ele estava agindo de maneira ilegal e se sua esposa soubesse não iria concordar com o que ele tinha feito. Ela sempre dizia que “um erro não justiça o outro erro”. Então, pensou em resolver isto à sua maneira, iria colocar as câmeras nos quartos dos filhos sem que Mônica e eles soubessem, precisava saber mais informações sobre este tal de Ricardo.
Para isso ele teria que colocar as câmeras quando todos estivessem fora de casa; a melhor hora era aquela, já que sua esposa estava trabalhando e os filhos estavam na escola. Chamou dois dos seus funcionários e os levou até a sua casa para implantar os aparelhos. Tudo levaria uns cinquenta minutos, tempo suficiente. Foram colocadas duas minicâmeras em cada quarto. Elas situavam-se no teto. disfarçado por uma película na cor do teto. Todo o sistema, para ser controlado via celular, tinha que estar conectado à internet e o material produzido, os vídeos e sons, eram enviados para o Google Drive pago — conta específica da empresa que somente Thomas tinha acesso.
Após três semanas de gravações em sua residência — não havendo encontrado nada no quarto de Raquel, como por exemplo o embrulho, que pensara ser cigarros, ou talvez drogas em pó, nem muito menos algo mais sério no namoro entre Raquel e Ricardo, e nem no quarto de Pedro, que embora estivesse usando revista da Playboy, pensou que nada de mal havia nisso —decidiu deletar os arquivos, retirar as câmeras dos quartos e desligar o sistema interligado entre sua empresa e a escola. Faria isso logo pela manhã.
No dia seguinte, logo cedo, ao acessar o material gravado que estava arquivado em uma pasta do Google Drive, deparou com uma mensagem destacada em vermelho juntamente com a imagem de um mascarado, cujo nome era “Tepeguei”. A mensagem em destaque era em tom de ameaça. Exigia que, se ele não pagasse trezentos mil reais, dentro de dois dias as imagens e os vídeos dos filhos deles estariam na internet.
O criminoso, para tentar convencer que não estava blefando, mostrou uma parte da gravação do vídeo em que Raquel estava de calcinha; em outra imagem, um printscreen da tela de um computador, mostrava Raquel e Pedro nus de costas e em quartos separados. Na mensagem o criminoso dizia que ainda tinha mais cenas para serem postadas na internet.
Dizia, ainda, que uma parte da imagem, que não mostrava o rosto da filha, já tinha sido postado em sites pornô. Na mensagem do criminoso estava um link para acessar o site pornô onde a imagem da filha tinha sido postada. Mais abaixo da mensagem estava em destaque: “Enviaremos um e-mail informando o local onde será entregue o dinheiro. Vá sozinho e leve o dinheiro em uma mala de viagem. Lembre-se, se tentar alguma armação, iremos prejudicar ainda mais sua vida”.
Thomas, ao ler a mensagem e ver as imagens da sua filha, ficou nervoso, tremia excessivamente, não conseguia nem parar as mãos sobre a mesa, suava frio, e tentava se segurava para não entrar em pânico. Com a cabeça cheia de pensamentos angustiantes falava consigo mesmo: “E agora, o que vou fazer? Não tenho esse dinheiro em mãos.
O que vou dizer a Mônica? Por onde deveria começar a explicação? Que enrascada me meti e envolvi os meus filhos!”. Ainda sem saber o que fazer, sentado à mesa, cotovelos apoiados sobre a mesa de cabeça baixa e as duas mãos apoiando-a, respiração curta, e ainda tremendo, escutou o toque do telefone que estava no birô do computador.
Atendeu rapidamente, achou que fosse o criminoso, mas na verdade era a coordenadora da escola; ela informava que não haveria aula naquele dia, pois na noite anterior assaltantes haviam rendido os dois vigias e roubaram todos os equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos da escola. Thomas não levou muito a sério, posto que, para ele, o seu caso era muito mais grave. Thomas disse para ela que lamentava o ocorrido, e iria avisar a filha. Ele nada falou do seu caso para a coordenadora.
A preocupação naquele instante era como sair daquela enrascada sem que causasse danos aos filhos, e por onde começar a contar tudo para Mônica. Precisava falar logo com ela. A ânsia na qual carregava em seu peito não lhe deu paciência suficiente para esperar ela acordar. Precisava compartilhar aquela angústia. Levantou-se, trôpego, e foi até o quarto acordar Mônica.
Ela estava deitada despreocupada, livre das falcatruas delirantes do esposo, debruçada na cama, respiração tranquila, passara a noite agradável — a reunião do trabalho só trouxera coisa boa: projeto sobre a construção de espaço para mulheres vítimas de violências, que antes estava engavetada na prefeitura; na Cruz Vermelha foi aprovado o trabalho de sua autoria para combater a fome em povoados próximos a cidade — sem a mínima cerimônia ele a acordou aos solavancos.
Em sobressalto, e apreensiva, ela sentou-se na cama e perguntou o que tinha ocorrido. Ele olhou para ela com rosto contraído, envergonhado e com cara de choro, e conta tudo. Abismada com tanta coisa que ele tinha feito em pouco tempo, e com muita raiva, ela ficou calada por alguns segundos, tentou se controlar para não entrar em desespero. O montante de informações descabidas, inimagináveis, vinda do seu esposo, não a deixou raciocinar direito e foi logo dizendo que iria vender qualquer coisa para pagar os criminosos. Thomas não concordou, disse que teriam que pensar em outra coisa.
Thomas achava que se desse o dinheiro, possivelmente os bandidos não iriam cumprir com o acordo, ficariam com o dinheiro e faziam novas chantagens. Então, Mônica decide ligar para a polícia.
E mais uma vez Thomas disse que não, pois se mobilizarem a polícia eles descobririam o que ele havia feito no sistema de câmeras da escola — quando Thomas acabou de falar sobre isto para Mônica, ele percebeu que, possivelmente, o roubo que aconteceu na escola ontem à noite poderia ter alguma relação com a invasão do sistema da escola por ele — Mônica ficou sem saber o que fazer.
Mas Thomas, recompondo o raciocínio, ligou para cinco dos seus funcionários e pediu para fazer rastreamento das contas da internet da empresa para ver se havia alguma invasão do sistema. Contou o ocorrido e disse que não iria a empresa para tentar resolver este problema. Uma hora depois um funcionário ligou para Thomas informando que não detectaram invasão, mas perceberam acesso não habitual, já fazia algum tempo, e constante no e-mail de Thomas, inclusive para baixar dados. Contudo, o sistema mostra que o acesso foi a partir do Ceará, da cidade de Itapipoca.
Então, a partir daí Thomas descobriu que alguém conseguiu a senha do Google que dá acesso aos e-mails e ao drive. Também suspeitou que os criminosos que haviam invadido e roubado a casa dele conseguiram, de alguma forma, ter acesso a senha do Google. Thomas pensou em denunciar os assaltantes, mas descobriu que o vídeo que ele havia registrado, quando os assaltantes entraram no muro da casa, tinha sido deletado de seus arquivos do drive.
Toda quela discussão só atrasava a resolução do caso. A cada minuto de conversa, o casal estava ficando sem tempo e sem saída.
— Não dá para ficar aqui e esperar as horas passarem, Thomas. Temos que arriscar com a polícia. Se com ela a coisa pode se complicar, sem ela irá ficar muito pior. Vou ligar para um primo meu, é delegado federal, ele poderá nos orientar pelos melhores caminhos. Mas entenda, você tem de dizer o que realmente aconteceu.
Thomas colocou a mão sobre a cabeça e disse:
— Faça como achar melhor. Pagarei pelo erro da forma que convier.
Sem demora, Mônica ligou para o primo, resumiu o assunto e disse que gostaria de repassar mais informações pessoalmente. Ricardo Miranda solicitou que fossem, o mais rápido possível, a delegacia federal onde ele estava. Trinta minutos depois, Thomas e Mônica repassavam detalhes do ocorrido a Ricardo Miranda.
Thomas contou o caso desde o início destacando que tinha feito tudo isto para que a sua família pudesse ter sossego depois daquele trauma. Ricardo Miranda, antes de falar sobre o caso propriamente dito, chama a atenção de Thomas para o perigo do desleixo racional; e acrescenta a frase: “aquilo que você mais queria proteger, foi o que mais saiu prejudicado”. O delegado informou que conhecia este estilo de bandidagem. Contou como eles agiam:
— Essa quadrilha especializada invadem as casas em busca de equipamentos eletrônicos para obterem as senhas, creio que foi exatamente o que fizeram em sua casa. De posse das senhas, criam mecanismos, que não conhecemos ainda como eles conseguem isso, que capturam as senhas caso a vítima mude-as.
Daquele ponto em diante, eles monitoravam a vida da vítima, ou das vítimas, são profissionais do crime. Eles não têm pressa. Vasculham suas conexões nas redes sociais, conexões via e-mail, cartões virtuais e tudo que for possível fazer via internet. Depois que eles obtêm todas as informações necessárias, agem em grupo e em várias frentes. Contratam grupos de criminosos para agirem em diversos pontos.
Cada grupo tem a sua missão. É bem provável que, a partir daquele roubo em sua casa irá haver vários outros, talvez até sequestros e assassinatos, dependendo a missão de cada grupo ou onde for o local do ataque. Há quatro meses que os agentes da polícia civil, juntamente com a polícia militar, vêm monitorando, mas eles conseguem escapar. Por isto, fomos solicitados para que possamos agir também em parceria com os demais.
O depoimento e conversas avançaram por duas horas, Renato disse que é bem provável que um dos próximos passos seria o sequestro de alguém, talvez estudante de pais ricos, já que eles invadiram o sistema da escola. Segundo o delegado, a prática de extorsão garante ao grupo rendimentos extras, já que há também, no grupo especializado, os arrombadores de cofres de bancos.
— Temos algumas pistas, mas estão em sigilos. Não podemos adiantar nada, posto que este grupo tem muitas raízes infiltradas nas mais diversas áreas da sociedade. Pelo levantamento de informações de roubo, sequestros e assassinatos, todos interligados, é possível dizer que o grupo é grande, prevemos mais de quarentas profissionais do crime envolvidos. Ou seja, senhor Thomas, aquele roubo que ocorreu em sua casa é um pequeno fio de um emaranhado de crimes a serem praticados. Acredito que o senhor tenha sido o primeiro alvo exatamente porque tinha uma empresa equipamentos de segurança, e a sua empresa tem conexões com outras empresas e instituições.
Renato Miranda olhou para Thomas e disse:
— É… senhor Thomas, parece que você entrou em uma enrascada e colocou muita gente nela. Agradeço por terem vindo falar conosco, mas acho que demoraram demais. Tenho certeza de que eles já começaram a agir, e ainda vão agir em muitos outros locais. Precisos descobrir onde eles agirão, o mais rápido possível.
Até então Thomas havia falado só o necessário, ouviu calado as reprimendas do delegado, sentia-se como um bandido. Na verdade, ele se sentia um fora-da-lei denunciando outros fora-da-lei — mas estava disposto a reparar o erro. Faria o que fosse necessário para evitar o pior. Mônica acompanhou todo o depoimento de Thomas. Em seu âmago, ela havia solidarizado ao ver Thomas cabisbaixo.
Aquele homem cheio de convicção atoleimava-se diante do lamaçal de incertezas que havia criado. Contudo, por fora, ela estava soturna. Ele havia quebrado o pacto de confiança e do diálogo e ainda colocava em risco a família dele e de outras pessoas.
— E as fotos dos meus filhos, Ricardo, como vamos evitar que caiam na internet? Perguntou, Mônica.
— É aí que vamos começar nossa operação, nesta outra frente. Vocês irão pagar o resgate.
— Mas nós não temos todo esse dinheiro.
— Vocês vão arranjar algum dinheiro, basta um montante de cinquenta mil e nós vamos introduzir a nossa ratoeira nele.
Embora de Ricardo fosse primo de Mônica, ele não poderia revelar como seria esta ratoeira. Na real, funcionava assim: nas cédulas há os fios de seguranças que estão entre duas camadas do papel moeda; nestes fios, que tem o valor correspondente de cada cédula, são onde ficam os microchips, além de milhares de micro sensores espalhados entre os microtextos que irão capturar as digitais daqueles que manipulares as cédulas.
As corporações civis e militares criaram o dinheiro inteligente. Os chips e sensores irão captar as informações e enviar, via satélite, para a BINCORG, que é a Base de Inteligência de Crimes Organizados.
— Será que irão pegar os criminosos?
— Vamos torcer que sim. Já tentamos várias possibilidades e eles conseguiam sair. Este método é novo, tivemos ajuda da inteligência internacional. Então, Mônica, vamos esperar o próximo contato deles e aí você, ou seu esposo, fará a entrega do material. O restante é com a gente. Mas veja bem, você não irá oferecer logo o dinheiro, tem que pedir mais tempo, alguns horas, para que eles pensem que vocês estão em busca do dinheiro. Vocês vão ter que vender a empresa; claro, vamos criar um documento falso de venda da empresa, só para criarmos a veracidade de que foram vocês quem planejaram tudo.
“Um erro não justifica o outro, mas uma trapaça poderá identificar o trapaceiro”. Pensou Mônica.