
Veja a PARTE 1 – AQUI
“A ninguém, nem aos deuses nem aos demônios, nem às tiranias da terra nem às tiranias do céu, foi dado o poder de impedir aos homens o exercício daquele que é o primeiro e o maior de seus atributos: — o exercício do pensamento. Podem amarrar as mãos de um homem, impedindo-lhe o gesto. Podem atar-lhe os pés, impedindo-lhe o andar. Podem vazar-lhe os olhos, impedindo a vista. Podem cortar-lhe a língua, impedindo a fala. O direito de pensar, o poder de pensar, porém, estão acima de todas as violências e de todas as repressões, que nada podem contra seu exercício. Se assim o quiserem os deuses, se assim o quer a própria natureza humana, parece claro que não há abuso mais abominável que o de tentar impor limitações ao pensamento de qualquer pessoa. Pretender suprimir o pensamento de quem quer que seja é o maior dos crimes. Pois não é apenas um crime contra uma pessoa, mas contra a própria espécie humana, uma vez que é o pensamento o atributo que distingue o ser humano dos demais seres criados sobre a face da terra. (…)”. (Teócrito de Corinto- filósofo grego do século II A.D., Liberdade de Pensamento)
No período final da Idade Média, onde as bases teóricas que mantinham a escolástica e a Igreja começavam a ser contestadas, ocorreram desarmonias nas teorias e nos poderes eclesiásticos. Tais eventos fizeram florescer a Renascença. O foco das primeiras manifestações foi na Itália, dois poetas se destacaram: Petrarca (1304-1374) e Boccacio (1313-1375). Suas obras foram precursoras das transformações para toda uma cultura da época (foi inspiração para pintores, escultores, poetas e escritores). A Antiguidade sofrera renovação através da redescoberta de novos ambientes, novos mundos.
As revoluções — a reforma (Lutero), o papel e a imprensa, as ciências etc. — colocaram tudo à prova. Entravam em cena, do século XV até o século XVI, a Revolução Científica que veio por meio de intensas mudanças das formas como o homem via a natureza. Essa transição consolidou o homem racional. Agora, tudo parecia ser observável, previsível e explicável.
As certezas nos foram apresentadas quando o homem começou a elaborar novas concepções para a sua maneira de ver o mundo, neste período a construção do conhecimento se fazia mais intensa, era o século XVIII: O Iluminismo, também chamado de o Século das Luzes. Kant afirmava que nesse período o homem saia da menoridade, da qual ele mesmo é responsável. (…) Sapere aude! (atreva-se a conhecer) (…). Esse período favoreceu as grandes transformações filosóficas, literárias, política e artísticas que desembocaram na modernidade. O homem liberta-se definitivamente das “trevas”, do obscurantismo.
Contudo, tal intento conduziu o homem a cair nas garras das incertezas. O mundo moderno é palco das dúvidas, das inseguranças. Zygmunt Bauman escreveu sobre isto na obra Modernidade líquida, no qual expôs que “a tarefa de construir uma ordem nova e melhor para substituir a velha ordem defeituosa não está hoje na agenda – pelo menos não na agenda daquele domínio em que se supõe que a ação resida. O ‘derretimento dos sólidos’, traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e dos sistemas na agenda política”. O mundo moderno entra de vez na “liquefação dos padrões de dependência e interação”.
Tudo o que é percebido, à luz da consciência moderna, é líquido (de curto prazo, ausente de rotinas sustentáveis); desconstituído de solidez, incerto e sem sentido. “A consumação está sempre no futuro, e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se não antes”, explicou Bauman.
O homem descobriu que sua liberdade é uma condenação, somente ele é o responsável por tudo que faz. Nós estamos sós, sem escusas, afirmou Jean-Paul Sartre na obra O existencialismo é um humanismo. A racionalização trouxe à tona o discernimento de que somos animais pensantes que estamos presos a nossa consciência. Essa consciência nos mostra que somos seres fracos diante da imensidão do universo.
Ficamos cara a cara com a monstruosidade da natureza, nosso ego foi duramente atingido; pois, como destacou Ernest Becker na obra A negação da morte, descobrimos que “o mundo tal como é, criado do nada, as coisas como são, as coisas como não são, tudo isso é demais para que possamos suportar”. O fato é que descobrimos, com mais intensidade, que somos seres mortais. Becker ainda acrescenta: “o animal humano é caracterizado por dois grandes temores, dos quais os outros animais estão protegidos: o temor da vida e o temor da morte (…). A visão do mundo tal como ele é na realidade constitui uma experiência arrasadora e apavorante”.
A vida é uma tragédia na qual somos sufocados pela nossa finitude (a morte) e pela pungência da natureza. Se pensarmos pelo lado muito pessimista iremos chegar a mesma conclusão de Mersault, personagem da obra O estrangeiro, de Albert Camus: “’(…) Pois bem, então morrerei.’ Mais cedo do que outros, evidentemente. Mas todos sabemos que a vida não vale a pena ser vivida”.
Vale lembrar que nós não temos o controle do mundo, ele sempre nos escapa. Isto acontece porque o mundo não está atrelado as nossas vontades. O mundo é o que é, e está além dos nossos planos. Há uma frase atribuída a John Lennon que diz: “A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos”. Embora isto seja bastante palpável, não cremos, ou não queremos crer, que não temos poder sobre o mundo.
Por conseguinte, acreditamos ingenuamente que a natureza está a nossa mercê, e que nossa meta tem aparência sólida. Quando tentamos moldá-lo ao nosso ego não estamos controlando o mundo como um todo, mas sim reduzindo ao humano um micro pedaço com selo próprio, uma particular fatia do nosso pequenino mundo.
Arthur Schopenhauer, citado por Zygmunt Bauman, asseverou que a “‘realidade’ é criada pelo ato de querer; é a teimosa indiferença do mundo em relação à minha vontade, que resulta na percepção do mundo como ‘real’, constrangedor, limitante e desobediente (…)”. Tudo leva a crer que estamos com a mesma condenação de Sísifo (de exercer trabalho inútil). Sísifo, personagem da mitologia grega que fundou o reino de Corinto, foi punido pelos deuses a empurrar incessantemente uma rocha até o cume de um monte, de onde tornava a cair por seu próprio peso.
Essas angústias nos trazem descompassos em relação as nossas metas. Ficamos, até certo ponto, à mercê do acaso. Albert Camus deixou isto bem claro ao escrever: “O mundo, posso tocá-lo e também julgo que ele existe. Aí se detém toda a minha ciência, o resto é construção. Pois quando tento captar este eu no qual me asseguro, quando tento defini-lo, ele é apenas água que escorre entre meus dedos”.
Contudo, se pensarmos pelo lado positivo podemos ter algumas saídas, não no sentido de livrarmos do acaso, mas no sentido de aprendermos a conviver com. Para evitar mais angústia é melhor deixar a coisa rolar, deixar fluir (expressão muito utilizada na filosofia oriental). Acredito que, se seguirmos o rumo da correnteza, com esforço mínimo para chegarmos a outra margem, sofreremos menos.
A música do Titãs, Epitáfio, traz a seguinte dica: “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”. Como enunciou Alberto Camus, em sua obra O mito de Sísifo: “É preciso imaginar Sísifo feliz”. É no rolar da pedra até o sopé, que descansamos e aceitamos o fardo como dádiva da natureza.
Sabemos que a experiência da existência traz consigo a finitude da vida. O tempo é o rei, lembrando Gilberto Gil na música “Tempo rei”. O tempo nos assusta porque ele nos diz que temos um limite. Ele é a solução para tudo, incluindo para nós, humanos. Sabemos também, cito aqui Epicuro, que a felicidade é alcançável, embora não facilmente. Talvez o aluno, aquele do qual já mencionei no início deste texto (na primeira parte), tenha até sentido dificuldade em ser feliz. Não é fácil mesmo.
Quiçá, quis escapar de um sofrimento (a avaliação), e preferiu buscar a sua verdadeira felicidade daquele momento. Sim…a felicidade está nos momentos (no processo do viver, na jornada da vida) e não no fim de uma meta, de um plano, de um desejo. Decerto, não imagino que ele tivesse dito aquelas palavras conscientemente do seu significado mais abrangente. Possivelmente ele não estava preparado para sentir o teor encovado daquilo que proferia.
A juventude, assim pensavam os platônicos e aristotélicos, é ousada (diria até atrevida), que busca o conhecimento, embora muitas vezes seja remisso, não está preparada para certos aprendizados, conhecimento fino (de peculiaridades complexa); isto requer vivência, experiência, requer paciência para que se assente nele a educação formal, informal e não formal. Todavia, para Epicuro, não há idade para ser feliz. Por isto, creio, que o aluno resolveu dizer aquela frase de construção gramatical simples, porém hermética em significado, e, de maneira fanfarrona, achou o caminho para a felicidade daquele momento.