A frase, “O POVO TEM O GOVERNO QUE MERECE”, do filósofo francês Joseph-Maistre (1753-1821), defensor da monarquia, que combateu ferozmente a Revolução Francesa, ainda ecoa pelo Brasil. Já ouvi várias pessoas usarem esporadicamente em diferentes contextos políticos.  Nos últimos dois anos já ouvi muitas vezes. Com certeza o aumento, segundo minhas percepções, do número de vezes que ouvi a frase está relacionada a forma como o presidente Bolsonaro vem conduzindo o país. Muitos, incluindo parte do seu eleitorado, estão revoltados com as atitudes descabidas, cheias de contradições, e negacionista. Estas insatisfações foram registradas em várias pesquisas que mostram queda contínua da sua popularidade: CMT/MDA, maio de 2020; Ibope, novembro de 2020; Instituto Ideia, janeiro de 2021; PoderData, fevereiro e abril de 2021; Datafolha, maio 2021; XP-Ipespe, junho e agosto de 2021; Genial/Quaest, setembro de 2021 .

Não é por menos. Há mais de cem pedidos de impeachment contra Bolsonaro na Câmara dos Deputados, e outras tantas denúncias na Procuradoria Geral da República e em organismos internacionais. São várias denúncias como: ofensas contra nação estrangeira, violação do direito à vida dos cidadãos na pandemia da Covid19, incitação à desobediência militar à lei, obstrução da lei na intenção de prejudicar a investigação, denúncia de irregularidade na compra da vacina indiana Covaxin, ataques ao Supremo Tribunal Federa (STF) etc. Ghiraldelli, ao discorrer sobre Bolsonaro, em sua obra A filosofia explica Bolsonaro, diz que “a política ideológica é a sua vida e a sua vida é a política ideológica”. Saliento que a palavra ideologia, neste contexto, é perniciosa. Todavia, há ideologia positiva.

A cada mês a tensão entre as instituições aumenta. Bolsonaro desrespeita as normas constitucionais de saúde pública, eleitorais e a de segurança nacional, como os crimes contra a democracia. Não é de agora que o presidente defende crimes. Foi reformado como capitão da reserva, com salário equivalente ao seu tempo de serviço, por atos de indisciplina e deslealdade. Ghiraldelli destaca que “mesmo sendo posto para fora do Exército, Bolsonaro continuou um militante do regime daquele período. Ele se mantém até hoje como um garoto que entrou na Academia Militar das Agulhas Negras, que foi empurrado para passar de ano, e que, enfim, não tem vida própria senão aquela que teve aos 17 anos”.

Como deputado, Bolsonaro passou 28 anos defendendo as atrocidades do regime militar (1964-1985). Uma das suas asquerosas falas (há site que registram mais de 150 falas mal-intencionadas desde quando preside a presidência) em favor da violência, proferida em uma entrevista em 1999, ele disse: “(…) quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro e fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o [então presidente] FHC”. Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocentes”.

Sobre o regime militar vale destacar a forma cruel de governo que durou 21 ano — 1964 a 1985 — e utilizou-se de diversos crimes (de corrupção e assassinatos) para implementar seu poder ditatorial. Marcelo Rubens Paiva, jornalista, escritor e dramaturgo, cujo pai, Rubens Beyrodt Paiva, foi torturado e assassinado pela ditadura militar dentro do quartel militar em janeiro de 1971. Marcelo conta em um de seus livros, Ainda estou aqui, sobre o sofrimento pelo qual sua família passou durante a ditadura militar: “Todo mundo que era contra a ditadura era comunista. Todos se tornavam suspeitos, subversivos em potencial”. Em seu relato Marcelo conta que só soube o que realmente tinha acontecido com seu pai quarenta anos depois, e que a família nunca viu o corpo que tinha sido jogado ao mar. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) trouxe à tona todo o modus operandi criminal do que foi a ditadura militar.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), ou como ficou mais conhecida Comissão da Verdade, foi sancionada em novembro de 2011 e instalada em maio de 2012, composta por sete membros nomeados pela presidenta Dilma Rousseff. A CNV teve como objetivo a apuração de mortes e desapercebidos durante a ditadura. A comissão realizou diversas diligências, ouviu vítimas, testemunhas e convocou agentes da repressão para prestar depoimentos. Toda a investigação e seu relatório final podem ser vistos, ou baixados, AQUI.

O presidente Jair Messias Bolsonaro — que alguns apoiadores mais radicais o chamam de mito (segundo o dicionário Houaiss: “mito” é algo fantástico protagonizado por seres de caráter divino.), e que Doria, governador de São Paulo, o chamou de “Messias da morte” (“Messias” —de origem hebraica —, representa aquele que veio para salvar o seu povo, na visão judaica; o ungido, consagrado, na visão Cristã) durante discurso em Goiás — veio com intenção real de desgastar criminosamente a nossa capenga democracia. Alguns o chamam de provocador de discórdia entre as instituições, que veio trazer mentiras e imoralidade para toda uma nação republicana; outros até são mais enfáticos: “ele é o Diabo disfarçado de gente”. Diabo — na expressão do dicionário Houaiss: é tudo aquilo que desune, o caluniador, [o senhor da] desordem, [da] confusão.

Como um “Messias” às avessas, vindo de um populismo ribaldo, que ludibria pessoas menos desavisadas, cria estereótipo do machão populista (algo que no Brasil tem espaço suficiente por ser um país que ainda há muita desigualdade entre os gêneros), que anseia pelo pertencimento ao povo simples como fonte de votos para reeleição ou aprovação de seu desastroso governo. Vem trazendo a desunião, a separação institucional por meio da exclusão dos princípios norteadores de uma república. Vem envenenando a nossa lactente democracia. Segue quase a mesma linha de Trump (outro populista de direita que invadiu o Capitólio). Contudo há grande diferença entre as duas democracias: nos Estados Unidos ela tem mais de 200 anos, é forte — as aventuras nefastas de Trump não chegou nem a riscar a sólida regra constitucional estabelecida naquele país; no Brasil ela é fraca, conturbada e sofreu diversas interrupções.

O populismo origina-se por volta do século XIX, seu paroxismo deu-se na América Latina logo após a Segunda Guerra. Está nas entranhas tanto nos governos de direita quanto nos de esquerda, e se espalha pela Europa e na América do Norte. Sua definição é bastante complexa. A despeito das diferenças, algumas vezes sutis, entre o populismo clássico e no neopopulismo, é possível identificar os mecanismos pelos quais os seus simpatizantes as usam para promoverem a ideia de que o povo poderia reivindicar, de maneira legítima, o poder de governar de modo a realinhar as instituições em prol das massas.

A fonte das suas reivindicações está baseada na ideia de uma batalha entre o povo puro versus a elite corrupta.  Com este slogan nascem, crescem e se perpetuam os populistas pelo mundo. Contudo, muitos populistas almejam o poder para seus deleites (familiares e amigos), para a sua única sobrevivência. Povo, para eles, tem significado excludente, ou seja, somente aqueles que concordam com eles. Alguns estudiosos afirmam que o campo conceitual, solo fértil, que faz gerar populista são: desconfiança, destruição, privação e desonestidade. O campo das conspirações são também solo fértil para a chegada dos populistas.

Linhas mais populistas radicais (tanto de direita, quanto de esquerda) rechaçam os meios democráticos (aqui representada pela democracia liberal). Os seus simpatizantes não suportam negociações. Seus compromissos são exclusivamente consigo e com seus amigos mais próximos. Dois elementos são as bases de sustentação: o autoritarismo e o personalismo. Estes são tão mais fortes quanto forem o gosto pelo poder.

O populista necessita das mídias, precisa expor-se. O famoso ditado, “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”, sintetiza a importância do “aparecer”. No Brasil temos um populista de direita radical no poder, de atitudes excessivamente mesquinhas e perigosas. O presidente Jair Bolsonaro está bem assessorado (ensinamentos especiais do Tio Sam), carrega consigo as táticas para atingir seus objetivos a qualquer custo.

 A despeito de Bolsonaro aparentar ser independente das mídias — em diversas entrevistas desqualifica repórteres e emissoras de rádio, jornal e TV (pelo menos as que não estão alinhadas com suas ideias) — está intimamente ligado a elas. Constrói pretextos para se mostrar. Cria-se mentiras, distorce falas, espalha invencionices, usa termos chulos que não se alinham com o cargo no qual exerce, assume a postura de NEGACIONISTA: não houve violência e tortura no regime militar, o nazismo foi um movimento de esquerda, não se deve usar as máscaras, a vacina é ineficaz, a pandemia é só uma gripezinha, não há desmatamento e nem invasão de terras indígenas na Amazônia, o aquecimento global é “jogo comercial” etc. Cria atrito com o mundo quando disse, em uma visita ao museu do Holocausto: “(…) Nós podemos perdoar [as atrocidades cometidas pelos nazistas], mas não podemos esquecer”. Tudo isso, e mais alguma coisa, chamam a atenção da mídia.

Cada atitude tem um certo objetivo: querer ser visto (em busca de seguidores) ou querer ocultar as ações do governo em aprovar medidas que prejudicam o povo (como a CLT, a venda dos correios, a entrega da Petrobras e do Banco Central ao capital financeiro internacional, aumento da inflação, as denúncias e investigações da CPI etc.), ou ainda esconder as falcatruas nas quais seus filhos estão envolvidos. Toda a máquina de enganações é milimetricamente preparada: porcas, parafusos e arruelas cuidadosamente fixados. O lema de campanha “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” é direcionado aos cristãos, nos quais correspondem a 81% dos brasileiros que se declaram católicos ou evangélicos.

O pandemônio bolsonarista espalha, continuamente, fake news (principalmente em rede sociais e canais do Youtuber – utilizam-se de robores para impulsionar com mais eficiência o material produzido) com conteúdo que atacam as instituições e incitam a violência (além de atacar outras áreas como a educação, o meio ambiente, as artes). Vale salientar que as fake news não são, tão somente, mera notícias falsas, mas notícias deliberadamente falsas, estrategicamente preparadas para derrubar os opositores ou enaltecer o charlatão populista.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveu bloquear a monetização para canais aliados ao presidente Bolsonaro. Contudo, os bolsonaristas vêm tentando justificar que o bloqueio é inconstitucional, o que não é verdade. A democracia não é o regime em que tudo é possível ser realizado, posto que as leis existem em razão direta para regulamentar a sua aplicação e evitar quaisquer excessos antidemocrático.

Em busca por aliados para manter a sua escalada rumo ao poder (quando ainda não era situação) e rumo à reeleição, o então presidente usa de outra estratégia já vistas em países com governos populistas: ameaças veladas ao regime democrático. Para angariar apoiadores Bolsonaro cria personagem e introduz enredo fantástico (por enquanto não apareceram dragões e nem bruxos). A intensão é criar características simbólicas de inferioridade de modo a aproximar-se o máximo possível da vida do povão. Em fevereiro de 2019, o deputado Major Vítor Hugo tuitou a foto de uma reunião oficial do governo em que mostrava o presidente usando chinelos.

Estas estratégias tinham sido usadas, mesmo antes de Bolsonaro se tornar presidente. Em fevereiro de 2020, o então deputado Alexandre Frota, deu entrevista ao Uol e disse que o cenário das lives de 2018 foram todas armadas. “Tudo era armado nas lives para [ele] parecer um cara do povo. A prancha de surfe era colocada, o uso do chinelo, o leite Moça, tudo era pensado para mostrar que ele era o cara do povo. Sempre foi armado. Água em jarra de plástico de R$ 1,99. Calça de ginástica com paletó, camisa pirata do Palmeiras. Tudo proposital”.

Para os populistas, e aqui se inclui o Bolsonaro, as instituições servem para seus deleites. É o que relata Jan-Werner, citado por Fancelli na obra Populismo e Negacionismo: “eles não são contra elas [as instituições] desde que sejam eles a controlá-las”. Na mesma obra transcreve-se Muller: “Uma das ameaças mais consideráveis do populismo vem do fato de que ele corrompe o processo democrático”.

Como já mencionei, o presidente constantemente promove mentiras, se contradiz, e rejeita a crença na ciência, mesmo quando há comprovação irrefutáveis. Como todo negacionista, o presidente comporta-se como o dono da verdade, mesmo diante de fatos comprobatório das suas contradições. A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) fez o levantamento das falas negacionista de Bolsonaro e já chegam, até o momento do registro (janeiro de 2020 a janeiro de 2021), a 200 proferimentos.  Daí vem a alcunha de negacionista.

Os negacionistas, assim como o presidente e seus seguidores, creditam apoio a uma informação dada por alguém do seu grupo sobre a ineficácia do uso das máscaras ou o uso das vacinas para combater a Covid19, pessoas estas sem a mínima instrução necessária para o assunto, como Youtubers, jornalistas (defensores do presidente, por exemplo, Alexandre Garcia, que faturou do governo Bolsonaro 70 mil reais por disseminar notícias falsas, segundo informa jornal o Globo e CNN Brasil) ou ainda um suposto pesquisador sem credibilidade (cujo trabalho nunca foi levado aos pares), do que acreditar nas informações de pesquisadores nos quais seus trabalhos passaram pelo processo de refutabilidade como registrou Karl Popper em sua obra, Conecturas e Refutações. Os negacionistas contestam fatos para evitar que suas ideologias não sejam engolidas pelas verdades imediatas. “As hipóteses de negacionistas não são baseadas em fatos, e sim na instituição, no achismo, no que lhes agrada”, escreveu Fancelli.

Além do mais, Bolsonaro (O Negacionista) não somente nega a ciência, mas age como sabotador da ciência, boicota qualquer linha de desenvolvimento através de cortes de verbas de pesquisas e bolsas de estudos. Ele é o sabotador oficial do conhecimento científico, confira no estudo do IPE (Instituto de Pesquisa da Economia), realizado por Fernanda De Negri e Priscila Koeller, pesquisadoras do Centro de Pesquisa em Ciências, Tecnologia e Sociedade do IPEA, sobre o desinvestimento que este governo está promovendo. Na pesquisa é possível perceber que no levantamento de 2019, no mês de julho, a União usou 46% da verba disponível para o ano. Em outras áreas, como o Ministério da Cidadania, que usou 103%; o Senado, 56%. Contudo, o Ministério da Ciência e Tecnologia só recebeu 27% do orçamento aprovado para o ano. Ataques constantes são deferidos contra todo o arcabouço de conhecimento adquiridos ao longo de muitos anos, de muitos estudos.

Bolsonaristas raiz adoram a teoria da conspiração, aprenderam com o Tio Sam. A Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) acompanhou as estratégias promovida pelos seguidores do Messias nos quais identificou que 30% das postagens de políticos alinhados ao governo são teorias conspiratórias. A escalada de mentiras e invencionices trazem gravíssimas consequências em todas as áreas, principalmente nas políticas públicas de saúde e ambiental: o populismo médico, por exemplo, trouxe o charlatanismo temperado com o negacionismo, resultou em desobediência a medidas sanitárias de combate a pandemia, resultou em cloroquina, ivermectina, ozônio como tratamento contra a Covid, seguido de mais de 580 mil pessoas mortas; o populismo ambiental, afrouxou o combate ao desmatamento ao cortar orçamentos, possibilitou a exploração predatória, a regularização de áreas de griladas com benefício ao agronegócio, a mineração ilegal em áreas indígenas, além de demitir Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por não pactual com tais medidas desastrosas para o Amazônia e áreas afins.

Quando for possível identificar a fórmula de uma tragédia anunciada, POPULISMO + NEGACIONISMO = DESASTRES (sócio-econômico-ambiental), devemos ficar em alerta máximo. Na espreita para combater o bom combate, contra ameaças a soberania popular.

A despeito de tudo aqui apresentado, o que podemos fazer para não deixar que novos populistas venham a colocar a democracia em risco? Fancelli traz algumas dicas:

  1. Políticos deveriam ser guiados idealmente por fatos, não por sentimentos.
  2. Estar ciente dos tipos de estratégias usadas por populistas;
  3. Combater os populistas negacionista com:

a) defesa da ciência (Antropologia, Geografia, História, Economia, Direito, Psicologia, Sociologia, Química, Física, Biologia etc.), principalmente na valorização dos especialistas;

b) o aumento da consciência social sobre o consumo de informação;

c) o uso da verdade – o negacionismo contou com a ajuda de fabricadores de dúvidas para produzir dados científicos controversos e tendenciosos, mas também com a contribuição da mídia para divulgá-lo (devemos desconfiar de políticos que oferecem soluções simples para problemas complexos);

d) a luta contínua e ativa contra a ignorância (quando alguém é deliberadamente ignorante, ele contesta qualquer fato novo, pois nada é suficiente para persuadi-lo a abandonar o que já considera verdade;

e) a humildade (ser humilde e estar abertos a mudar de ideia).

Para não entufar mais a escrita vou lançar a seguinte proposta: vamos EXPURGAR o populismo negacionista bolsonarista para longe da presidência, e da política. NÃO SE PODE TER VOZ NA DEMOCRACIA, QUANDO O OBJETIVO É DESTRUÍ-LA.