
Nosso instinto de sobrevivência é bastante ativo e forte, a despeito de, e às vezes, ocorrerem algumas falhas, como por exemplo a pessoa tirar a sua própria vida. Albert Camus, franco-argelino, apresentou em seu ensaio, O mito de Sísifo, essa afirmação que foi publicado em 1941: “Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio”. Pois bem, fora desta trágica possibilidade, sempre buscamos diversos meios para chegarmos à felicidade, e um desses meios é o cuidado com a saúde. Mahatma Gandhi disse que a verdadeira felicidade é impossível sem verdadeira saúde. Felicidade e saúde são irmãs siameses. Há um jargão que ficou conhecido aqui no Brasil, ‘saúde é o que interessa, o resto não tem pressa’, do ex-global Paulo Cintura (Paulo Cesar Rocha), personagem do Programa Escolinha do Professor Raimundo. Aliás, no dia 03 de maio de 2020, na praça dos três poderes em Brasília, o senhor Paulo Cesar Rocha, despido do personagem Paulo Cintura, estava sem máscara participando de um ato pró-Bolsonaro. Parece que para ele o jargão só funciona na Escolinha.
Contudo, trilhamos diversos caminhos (alguns enviesados) a fim de se chegar à saúde desejada, de modo que possamos prolongar a vida ad aeternum, ou mesmo, até perto disso. Assim sendo, ora trilhamos por caminhos incompreensíveis, ora com a racionalidade científica, ora baseados nas crenças, ora por motivos ideológicos etc. Tentamos diversos subterfúgios capazes de burlarem os males e escaparmos ilesos. Das várias estratégias destaco uma: o elixir.
Peguemos como o primeiro exemplo um passado muito longínquo, nos tempos da alquimia. A alquimia (de origem bastante incerta, já que há alguns relatos de sua existência em outras civilizações; mas vamos considerar que, na sua forma mais definida, tenha originado por volta do séc. III e o séc. V d.C., em Alexandria), utilizava algumas técnicas nas quais visavam a transformação da matéria (exclusivamente da química mineral), suas práticas tinham conotações antropológicas, astrológica, filosófica, metalúrgica, matemática, magicas, místicas e religiosas. Entre estas técnicas está a produção do Elixir da Vida Eterna (medicamento oral), uma espécie de panaceia contra todos os males físicos e morais, que continham o princípio do rejuvenescimento. Os alquímicos foram pessoas respeitáveis da sociedade (alguns cristãs, padre, monge ou até papa) deixaram seus grandes feitos, contribuíram com a sociedade (vale lembrar que quando os romanos dominaram o Egito, as práticas alquímicas foram malvistas, seus praticantes foram perseguidos e considerados hereges). Todavia, entre eles havia os charlatães, estes viviam em busca do enriquecimento, do poder. Utilizavam-se da retórica e da falta de conhecimento do povo daquela época para venderem suas falcatruas.
Parece-me que estamos passando por coisa parecida nesta época de pandemia do Covid-19. Charlatãs oferecem medicamentos sem credibilidade científica para combater o vírus da Covid.
Outro exemplo são as garrafadas, soluções de várias espécies de plantas (destas podem ser usadas folhas, cascas, frutos, raízes ou flores) dentro de um certo líquido que pode ser álcool, mel, vinagre ou água. O produto é vendido como eficaz no combate as dores nas articulações, problemas na próstata, rim, fígado, tosses, bronquite, fraqueza sexual, entre outros. Desde muito tempos as garrafadas vêm sendo usadas para fins terapêuticos, embora não haja regulamentação para a comercialização destes produtos, posto que não é considerado medicamento. A venda ou compra destes produtos está sujeito às penalidades previstas na lei 6437/1977. A mistura pode ser administrada por via oral, tópica ou inalável. É comum a venda destes produtos em feiras livres.
Presenciei uma cena em que um certo vendedor usava da sua retórica na tentativa de persuadir uma cliente para que ela comprasse uma das garrafadas. Isto foi na época quando frequentava a Cobal (Companhia Brasileira de Alimentos). Minha mãe foi freguesa de carteirinha do recinto, buscávamos produtos mais baratos. Creio que fomos personas gratas por gastarmos alguns tostões por lá, éramos frequentadores nos fins de semana. Sempre que entrava ali via o alvoroço de fregueses e vendedores, cada um com seus afazeres. Cada banca tinha sua peculiaridade, a banca na qual vendia as garrafadas era cheia de cascas de árvores, sementes de plantas, folhas para chás e até cereais. Algumas garrafadas tinham rótulos, outras não. Aliás, por não ser oficialmente (não tem registro na Anvisa) medicamento, não se pode colocar nas garrafas os efeitos terapêuticos, embora já tenha visto algumas embalagens com rótulos informando para que serve aquela mistura. Em um pequeno espaço de tempo em que passei próximo a uma dessas bancas vi com frequência pessoas levarem o produto. Um destes fregueses chegou perguntando:
— Tem alguma garrafada aí para dor nas juntas?
— Tem sim. Esta aqui é da boa! —, disse o vendedor levantando o produto em direção a um faixo de luz solar que entrava por uma brecha na cobertura da barraca. — Agora há pouco veio uma freguesa dizendo que deixou de sentir dores nas juntas depois que tomou algumas garrafadas.
— É verdade. Uma vizinha minha disse que também ficou boa depois que tomou essa garrafada, ela sentia dores nas juntas dos dedos —, completou a compradora pegando na garrafa e aproximando dos olhos para ver se reconhecia algo ali.
Alguns segundos depois ela disse:
— Vou levar. Embale, por favor.
Como em todos os locais têm charlatãs é provável que em uma (ou mais de uma) daquelas barracas haja aquele que não entende nada sobre plantas medicinais. Alguns deles, na busca pelo lucro, não levam em conta se aquela substância vai ou não ter uma certa eficácia positiva para o comprador.
Assim como as garrafadas, os chás medicinais (de erva, raiz ou flores) também são vendidos em feiras livres.

Entretanto, e diferentemente da garrafada, a infusão tornou-se uma das bebidas mais consumida no mundo, estando associada a vida saudável graças aos benefícios ao corpo e a mente. Além das propriedades medicinais, o aroma e sabor característicos impulsionaram a mistura nas mais diversas culturas. O consumo da infusão no Brasil tem crescido muito, pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcoólicas (ABIR) mostra que, entre 2010 e 2015, houve crescimento do volume de produção anual de chás da ordem de 53,92%. A pesquisa revela que no Brasil houve um aumento considerável (25,3%), em comparação a outros países: Estados Unidos (31,0%), Alemanha (37,7%), China (57,1%), Rússia (62,9%) e Japão (63,9). Convém destacar que há distinção entre algumas infusões como os que combatem certos males (chás medicinais), por exemplo, cavalinha, canela, camomila, boldo do chile, alho, chá verde, dente-de-leão, boldo, erva-cidreira etc. e outros que são aromáticos (chás aromáticos) como, por exemplo, a melissa, hortelã-pimenta, manjericão, alecrim, salva, angélica, erva-doce, eucalipto, entre outros.
Não obstante, nem sempre o chá vai trazer benefícios, tudo vai depender da procedência dos componentes da infusão: a) utilização dos agrotóxicos na plantas medicinais (recentemente, ano 2019/2020, e em destaque no governo do então presidente Jair Messias Bolsonaro, foi liberado 945 agrotóxicos dos quais muitos deles são de alta periculosidade); b) o desconhecimento, total ou em parte, da substância ativa responsável pelo efeito desejado; c) se há ou não agentes contaminantes que podem ser bactérias ou fungos, ou ainda, metais pesados (elementos químicos, na sua forma pura, que podem causar malefícios ao organismo quando ingeridos); d) se a posologia é ou não adequada, visto que, poderá ocorrer certos excessos no uso da substância. Devemos sempre ter cautela e não exagerar na dosagem. É como diz a máxima popular: “tudo demais é veneno”; ou ainda, como frisou Paracelso no século XVI: “a diferença entre o remédio e o veneno está na dose”.
A bem da verdade, o que concerne a minha pessoa, faço uso de alguns chás específicos, vou destacar um deles, uma espécie de garrafada em copo, explico: chá com vários componentes (alho, gengibre, limão e eucalipto) para combater a gripe. Claro, cada componente tem um tipo de efeito, além do combate a gripe, como por exemplo:
O alho (que usamos como condimento) é um dos melhores antibióticos naturais, contém sais e vitaminas, estimula o apetite etc. Contraindicação: algumas pessoas alérgicas a substância deve evitar, assim como os que sofrem de hipotensão, as lactantes devem ficar atentas, pois pode ocorrer cólicas;
O gengibre é útil para a perda de peso porque favorece a digestão e o bom funcionamento do pâncreas, contém antioxidantes e outras substâncias que ajudam a aliviar a inflamação do esôfago, fortalece o sistema imunológico, diminuir o açúcar no sangue, atua na circulação sanguínea evitando o surgimento de coágulos etc. Contraindicação: para quem tem hipertireoidismo, pacientes com distúrbios hemorrágicos, para pessoas com diabetes, principalmente para aquelas que tomam insulinas, pois o gengibre abaixa o nível de açúcar no sangue, entre tantos outros);
O limão apresenta-se como hipotensor (abaixa a pressão arterial) e ativador da circulação, é antisséptico, carminativo (antiflatulento), vermífuga, colerético (favorece o aumento da secreção da bile do fígado), depurativo (purifica o sangue), estomático (melhora as funções do estômago, febrífugo (afugenta a febre), tem vitamina C etc. Contraindicação: o excesso pode causar desgastes nos dentes, provocar aftas ou lesões na boca, quando se tem úlceras deve ser evitado, diminuição da quantidade de potássio, causa deficiência de nutrientes, problemas renais por deficiência de vitaminas e outros);
O eucalipto combate gripes e resfriados, evita a tosse, diminui a formação de muco nos brônquios e secreções mais fluídas (soltar o catarro e aliviar os pulmões), eliminar bactérias na boca que causam mau hálito, o óleo e o vapor de eucalipto elimina as acnes e favorece a cicatrização, é bronco dilatador, é calmante e estimulante, quando usado na pele cicatriza feridas, queimadura e picadas de insetos, anti-inflamatório. Contraindicação: para diabéticos quando usado em excesso, pois reduz o nível de açúcar no sangue, o uso em excesso pode causar gastroenterite ou sangue na urina).
É notório que todos estes quatros citados também podem trazer os mesmos problemas já referidos; por exemplo: no alho, de acordo com o monitoramento da Anvisa (da edição do final de 2019), das 365 amostras analisadas, foram detectados 27 tipos de agrotóxicos dentro dos 240 pesquisados. Ademais, 16 destes apresentavam resíduos de agrotóxicos não autorizados e uma das amostras continha quantidade de agrotóxico acima do valor permitido.
Apesar de somente utilizar a infusão com alho quando começam a aparecer sintomas da gripe, não estou livre dos malefícios que podem vir atrelados quando consumido, também, nos temperos; principalmente agora com a política pró-agrotóxicos do então presidente. Contudo, devemos ficar atentos e evitar exageros, para que não venhamos perder a nossa saúde justamente quando busca por ela.