Ao caminhar a beira mar, num passeio mais relaxante ou em corrida leve, quase sempre encontro novidades em dias diferentes, desde cachorros que correm ferozmente atrás de mim (escapo para o mar, de onde saio com minha indumentária ensopada. Mas saio sã e salvo, sem marcas dos dentes caninos e com o coração a cento e vinte) até caranguejos, cnidários (caravelas, águas-vivas), caramujos – que se arrastam mui lentamente para o mar -, tartarugas e peixes mortos na areia – comumente acompanhados de urubus e carcarás. Todos fazem parte, de vez enquanto, do cenário por onde passo. Estes fatos são do dia a dia de uma pacata avenida, à beira mar, de uma cidade litorânea do Ceará. Prazeres simples como estes, com exceção da corrida alvoroçada com medo dos cães, trazem-me certa tranquilidade para enfrentar os embrulhos da vida, a vida como ela é (como escrevia Nelson Rodrigues). Sim… é sabido que há mais outras coisas a ocorrerem na avenida, porém vou ater-me somente nestes detalhes e acrescentar mais alguns poucos, que são a deixa desta crônica.

Quase sempre, e isto ocorre em épocas de festas (fim de ano, carnaval etc.) e feriados, ou ainda em alguns finais de semanas, a cidade litorânea recebe pessoas de outras cidades – eu e meus pais somos de outra cidade, todavia não viemos para desfrutarmos das festas e nem dos feriados, e sim, nos escondemos da moléstia em um ranchinho de frente para o mar (deixo claro, não sou rico. Fagner generalizou demais em “Pedras que cantam”) -. Nestas idas e vindas de pessoas para a cidade litorânea chamam a atenção certos transeuntes com suas atitudes bestiais: a falta de consciência ambiental e o egoísmo exacerbado. Trazem consigo comportamentos abjetos, como a má-educação ambiental, e carregam a alcunha dos ‘sem-noção’ ou ‘sem-pudor’. Gente que usa a massa encefálica, escassa de consciência social e ambiental, para prejudicar toda comunidade. Trazem, também, as asnices carregadas de egocentrismos e transformam a praia num ambiente imundo e perigoso. Pior ainda, muitos destes seres têm filhos que poderão ser afetados pela ausência de compostura ecológicas dos seus genitores.

Ah! Ainda tem aquele pretencioso que, jugando-se liberto do ataque do vírus da covid19 (embora estando na segunda semana mês de dezembro e nenhuma vacina foi liberada ao público brasileiro), afirma que saiu de um confinamento e venceu a moléstia. Alguns até dizem: “o vírus é apenas uma gripezinha”. Só para efeito de informação o número de mortes no Brasil pelo vírus, no dia em que esta missiva está sendo escrita, já chega a 178.995. Essa gente vem para o litoral com sede de festa, louco por folia e querendo esbanjar comemoração, traz seus apetrechos comemorativos e os abandona na praia.

Para a nossa sorte a natureza, até certo ponto, consegue adaptar-se. Leva tempo, mas consegue. Ela transforma o ambiente no qual foi deformado pelas atitudes bestiais. Basta ver, para citar um exemplo, a cidade de Chernobyl, na Ucrânia, até hoje a região está desabitada (por conta de um acidente nuclear ocorrido em abril de 1986); porém, a vida selvagem se recupera lentamente. É claro, para tudo tem um limite, até para o processo de resiliência ambiental. Distúrbios provocados pela ação humana impactam, com muita frequência, de maneira desastrosa no processo de resiliência natural. A ação negativa humana no meio ambiente provoca mais danos do que os fenômenos naturais. Sabemos que não temos o poder para destruir (no sentido de extinguir) a natureza; contudo, e diante das nossas atitudes antiambiental, podemos ser os responsáveis por exterminar a nossa própria raça.

Pois bem, trasanteontem estava eu a caminhar pelas beiradas do marzão quando me deparei com uma tampinha de garrafa, não era simplesmente uma tampinha de garrafa na sua forma intacta como a conhecemos. O objeto estava sendo cuidadosamente revestido com nova roupagem, parecia que estava ali há algum tempo, abandonada, ao sabor da Mãe Natureza.

A tampinha, coitada!, devia ter passado maus bocados, abandonada pela ignorância social dos seus pais, ambientalmente mal-educados, sofreu os desgastes do abandono, jogada pelas ondas do mar, picada e arranhada pelas unhas afiadas da fina areia da praia, sufocada pelos bumbuns e pés humanos, pressionada ao chão – enterrada ‘viva’, pelos pneus dos automóveis – e depois, liberta do seu ataúde pela força das marés que a traz com novos adornos.

Faltou aos pais da tampinha a responsabilidade social; se, pelo menos, eles tivessem lido ‘O Pequeno Príncipe’ – um dos maiores clássicos da literatura universal -, no qual aborda questões filosóficas e reflexões de aprendizado, talvez gozassem de maior atenção ao outro. Na obra, de Antoine de Saint-Exupéry, duas personagens, a raposa e o Pequeno Príncipe, conversam. Em certo momento da conversa a raposa diz para o Pequeno Príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. De pronto, associei a frase a pessoa (aquela que é mal-educado, sem-noção e sem-pudor) que abandonou a tampinha da garrafa na praia.

Você conhece a sua ‘pegada ambiental’? Pegada ambiental é uma expressão que nos conscientiza sobre a forma como vivemos no planeta Terra. Nossas ações provocam quais impactos no meio ambiente? Estes impactos são de baixas proporções ou é de altas proporções? Qual o grau de efeito quando os impactos de baixas proporções se acumularem ao longo do tempo?

Convém criarmos o hábito de que, todo aquele, ou aquela, que tem em sua posse um determinando objeto deverá ser responsável por ele. Ao desfazer-se desta posse a pessoa tem o dever de averiguar o local mais apropriado para receber o objeto em questão. Aquela pessoa não deveria ter deixado a tampinha abandonada em uma praia, mas deveria ter recolhida para um local específico, talvez para reciclagem; ou, se não, para o lixo da sua casa, ou ainda, em uma lixeira mais próxima. Cada um deve ter especial atenção para com o lixo que produz. Lembro que não estou nem discutindo os outros tipos de lixo que são jogados na praia e que podem ser, de forma imediata, ainda mais perigosos, como por exemplo, os cacos de vidros de copos e garrafas deixados na praia.

Diante daquela ação estúpida, de uma pessoa qualquer, concentrei-me na resiliência da Mãe Natureza, posto que, o mais inusitado não foi encontrar a tampinha na praia, mas sim encontrá-la já em processo de reaproveitamento. O mar já tinha iniciado a transformação da tampinha que o ‘homem-lixo’ havia lá deixado. Abasbacado, reparava naquele processo laboral, um atelier natural criava novo design para cobrir a feiura do ‘homem-lixo’. A paciência de Jó perde feio se comparada com a pacatez da Mãe Natureza. Muito devagar ela remodela os desastres das gentalhas, masca as escórias de uma sociedade ambientalmente mal-educada. A despeito do poder de resiliência da natureza, devemos sempre ficar atentos as nossas atitudes frente aos resíduos que produzimos e os locais nos quais escolhemos para abandoná-los. Conquanto, nem sempre é possível reverter certos estragos.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), de todos os resíduos lançados aos mares, 80% são plásticos. Estes resíduos provocam grandes desastre ecológicos. Para maiores informações sobre os efeitos nocivos dos plásticos nos mares assistam a sequência de reportagens do “Mares Limpos”.

Precisamos, urgentemente, banir os impactos dos nossos resíduos nas praias, local que escolhemos para ser ambiente de lazer. Levar conosco sacolas para coletar os próprios resíduos, sejam eles canudos, copos descartáveis, garrafas, incluindo as tampas, guardanapos, resto de comida etc. Se continuarmos a desrespeitar as nossas praias teremos, de retorno, mais desastres ambientais. #Ficaadica.