Em um encontro casual alguém conhecido se chega e faz a seguinte pergunta:

– Olá, como vai?

De imediato, sem titubear, a pessoa responde:

– Vou indo, e você como vai?

E o interlocutor responde:

– Tudo bem, eu vou indo.

Neste diálogo, tanto a pergunta quanto a resposta são vagas. Frases curtas, sintéticas, parecem expressar que quem perguntou não quer realmente saber, e nem quem respondeu quer realmente contar. A despeito da forma suscinta deste papo, pode-se entender que cada palavra traz um certo peso, carregar vasta informação que talvez fosse inviável (ou descabidos) suscitar maiores detalhes naquele momento; ou não, também pode ser que ambos pensem que o outro não está a fim de saber. Desse modo, a fala lacônica de ambos pode funcionar como condição garantidora da conexão entre o emissor e o receptor. Nada além disso. Fala descomprometida, despojada de querer saber e de querer contar, faz pensar nos diversos motivos capazes de fazerem sucumbir seu desejo de apresentar ao outro seus percalços e/ou seus sucessos.

Podemos aqui trazer alguns poucos pressupostos:

a) alguns já têm a noção de que quando a alguém pergunta “como vai” não significa dizer que ela queira realmente saber, quase sempre estas duas palavras são clichês; funcionam como abertura de diálogo curto ou prolongado. No entanto, há aquela pessoa que gostaria de falar tudo o que for necessário ser dito, explicando como ela realmente se sente, colocar para fora aquilo que alguns chamam de ‘engasgo’, ou mesmo, contar seu sucesso. Todavia, há outras que acham chata aquela pessoa quando interpelada com “como vai?” faz um compêndio autobiográfico. O estilista, já falecido, Clodovil Hernandes, deixava claro sobre este tipo de gente inoportuna.

b)  algumas pessoas não querem falar sobre suas vidas, ou mesmos, nem querem perder tempo com particularidades nas quais não dizem respeito a outras pessoas. Preferem ficar a sós, apreciasse, engolir cada emoção, digerir cada sensação independentemente de quais sejam. Algumas vezes será melhor não prolongar o assunto. Até porque, atualmente, poucos são os que estão presentes na conversa e por conta disso preferem a sua própria companhia. Isto não significa que a pessoa é solitária, não devemos confundir solidão com a solitude (individualidade), são coisas diferentes. A solitude é uma opção, é fruto de uma escolha, uma condição fundamentada na segurança, característica de uma determinada personalidade. A solidão abarca outro sentido, já que ser só é ser si mesmo, sem recurso, e é a verdade da existência humana. A solidão é uma regra; e ninguém pode viver, morrer ou sofrer em nosso lugar, dizia Sponville. Buda afirmava que “o homem nasce só, vive só, morre só”.

c) a terceira via de pressupostos poderia ser a falta de tempo para implementar uma conversa prolongada, ter que explicar tudo em um momento no qual o assunto não é propício para ser levado adiante. A vida agitada de algumas pessoas leva ao afastamento de conversas que não tenham um certo valor de troca, que não tenha uma certa ligação com aquilo no qual ela tenha como prioridade. A pessoa que vive apressada, cheia de afazeres, fica apoquentada quando é interpelada inconvenientemente. Aliás, para as pessoas estressadas de afazeres qualquer pergunta que não seja para aliviar a carga de obrigações é sempre inconveniente. Levo a crer que tais atitudes não são por falta de educação. Talvez seja falta de planejamento; ou mesmo uma certa pretensão, sobrecarregar-se de atividades creditando que o mundo não funcionará se ela parar um instante para conversar sobre outros assuntos. Por outro lado, pode ser também que o bonde da vida ande tão rápido e cheio que a gente precisa correr para garantir um acento existencial.

Essa correria remete a música “Sinal Fechado”, composição de Chico Buarque de Holanda em 74, na qual ocorre um rápido diálogo entre dois amigos à espera do semáforo abrir.

d) a quarta hipótese está relacionada as formas com às quais, e atualmente, ocorrem com algumas conversas entre amigos. Há, em algumas rodas de conversa, ausência de respeito ao emissor. Este parece falar para o nada(para ninguém). Os receptores (que deveriam estar atentos as informações de quem fala) interagem mais com os celulares do que com o emissor. Este desconforto, do emissor, é uma ocasião para criar certezas de que não é mais viável sair com aqueles amigos. Não faz sentido sair para uma conversa se a pessoa (ou o grupo) a qual você escolheu para conversar prefere dar atenção ao celular. Para aquele que se sente incomodado há três maneiras: reclamar das indelicadezas e ficar, reclamar e sair, ou simplesmente, encurtar a conversa e sair de fininho, chispar dali.

Posto que estou a discorrer sobre o uso do celular, cabe fazer uma observação pessoal.

Na minha pouca experiência de “whatsappero” (certas contrações de palavras, e alguns emojis, ainda não entendo) quando percebo que meu receptor conversa (leia-se, escreve) com palavras curtas “ok”, “sei”, “certo”, “sim”, “é claro”, “ah, tá”, “pois é” tec., é sinal de que não quer conversar. De imediato, arranjo um “valeu” e caio fora. Depois disso, fico cabreiro, e difícil retornarei o contato por este meio, até que tenha plena certeza de que o meu receptor esteja aberto a conversa.

e) a hipótese seguinte sustenta-se nas conversas pouco produtivas, conversa sem algo palpável. Conversas vagas sem algo para acrescentar ou dividir. Uma mistura de verborragia com nada a ver. Esse tipo de conversa é acalentador para os preguiçosos (aqueles parecem a nós um ser improdutivo, gastadores de tempo), mas para os ociosos (no sentido de descanso, ócio criativo*), que tiram um tempinho para refrescar a mente e descobrir novidades, é desanimador. Alguns preferem o ócio que estimule a capacidade de pensar, que fomente ações que tragam equilíbrio emocional, que encarnem ideias. Os adoradores do ócio criativo querem distância das pessoas que são gastadores de tempo. Assim, em um bate-papo meio que desconexo o jeito é “sair de fininho”, usar suas qualidades educativas cortantes e dizer: “Valeu! Vou ter que ir”.

Ocasionalmente aceito ouvir esses papos por curiosidade e noviciado. Nem que seja aquela conversa na qual não se sabe por qual motivo começou e nem qual o ponto de chegada, porque o que interessa mesmo é o caminhar cambaleante numa estrada de conversa cheia de bifurcações, desenrolar o pensamento sem as amarras exigente do conteúdo (a tal ‘conversa besta’). Mas antes de partir nesta empreitada recito mentalmente um dizer popular, “em terra de sapo, de cócoras como ele”, para que eu possa interagir com o meu interlocutor com mais facilidade. Afinal de conta, e já trazendo outro ditado popular, “de médico e louco todo mundo tem um pouco”. Assim, consagrado o pacto, desbravaremos o mundo do Fausto, entraremos nas entranhas do desconhecido, passamos a ser estrangeiros sem pátria. Sair da segurança de uma conversa ‘civilizada’ (no sentido conteudista) pode ser animador. Visto desta maneira, tenho a certeza de que valerá a pena, se a alma não for pequena, como já dizia Fernando Pessoa. Desbravar as novas formas de interações, num mundo do ‘maluco beleza’, pode ser uma forma de aprendizado.

* O livro de Domenico De Mais, O ócio criativo, escrito em 1985, nos traz várias dicas deste tipo de ócio