mensagem na máscara é paradoxal

Diante da chamada “volta da normalidade”, mesmo que, até o momento, não há normalidade avista, o povo vai acreditando que o perigo passou. Pois então… é justamente aí que ele aparece.

Hoje em dia já se sabe das condições adaptativas do cérebro ante ao ambiente que ameaça. Pois bem, quando sentimos a presença ameaçadora, seja ela real ou imaginária, há mudanças orgânicas e reflexivas que irão culminar em atitudes comportamentais, estas atitudes diante do fato (ou da imaginação) podem ser positivas ou negativas.

Ambas aconteceram com a chegada de um novo vírus deletério, o coronavírus (COVID19). Segundo a OMS, a chegada do vírus “constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional”. Inicialmente sabia-se que os sintomas mais comuns da doença eram febre, cansaço e tosse seca; depois, com novos estudos, descobriram que poderiam fazer parte também dos sintomas como congestão nasal, dor de cabeça, conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar ou olfato, erupção cutânea na pele ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés .  Em face do perigo iminente foram tomadas diversas medidas protetivas, entre as quais estão o kit sobrevivência (máscaras e álcool) e o isolamento social.

No começo, o alvoroço foi grande. A busca por máscaras e álcool etílico hidratado a 70° INPM (que chamamos de álcool 70) causou frenesi na população. Diante da frenética presença de consumidores em busca destes produtos entra em cena a famosa lei do comércio (oferta e procura), juntamente com a elasticidade-econômica, que não se importam com a presença do vírus, os preços destes produtos foram as alturas, havia também aqueles comerciantes que se aproveitavam da alta dos preços e vendiam estes produtos com preços superfaturados.

Uma vez perguntei a um vendedor o porquê da excessiva elevação dos preços destes produtos, uma vez que já tinha ocorrido um aumento recente de preços. Um senhor, provavelmente o dono da loja, disse que já tinha comprado este novo estoque com preços mais altos do que o anterior. Pensei em pedir a ele a tabela de compra do produto para conferir a veracidade da informação, mas deixei para lá.

A máscara e o álcool 70 viraram objetos do desejo (uma espécie de amor platônico sublimado), converteram-se em artigo de luxo e de sobrevivência.

O medo tomou conta da sociedade em geral, era um deus nos acuda. Embora existissem os falsos valentões que se vangloriavam por não ter medo do vírus, e que tentavam provar a todo custo, utilizando-se de Fake News, que o bichinho era inofensivo. Orações e pedidos para amenizar as angústias enchiam a caixa postal do céu. Notícias diárias, ou melhor, a cada trinta minutos, trazendo o avanço da doença, os números de infectados e de mortes.

Diante do medo, boa parte da população aceitou o confinamento, a vontade de sair de sua casa não era maior do que o medo de encontrar o vírus lá fora (seja porque tinham na família alguém com comorbidade, sejam porque estavam apreensivos quanto a ação deletéria do vírus). Mesmo com tantas dificuldades, cada um em seu lar (claro, mesmo aqueles que não tinham um lar, como os mendigos, também se protegiam) tentava cumprir com os cuidados mínimos para a sua proteção e de seus familiares.

Algumas cidades, seguindo os parâmetros recomendados, pareciam desertas, eram como na música de Raul Seixas, “O dia em que a Terra parou”, ninguém saia porque não tinha para onde ir. Outras cidades usaram da criatividade para repassarem informes aos seus concidadãos sobre a obrigatoriedade do uso das máscaras quando fora de suas casas. Contudo, certos municípios, em alguns estados, não atendiam as recomendações dos órgãos internacionais de saúde e pagaram altos preço em vidas humana.

A cada mês que passava o confinamento provocava ondas de angústias. A paciência deu lugar ao desespero, a vontade de sair daquela “prisão” domiciliar crescia a cada instante. Algumas pessoas, que antes eram a favor do confinamento, passaram a seguir aqueles que eram contra. Cada vez mais o povo se desesperava ante as grades do lar. O que era bom, estar com a família, passou a ser desesperador.

Em face do enclausuramento social as experiências exitosas apareciam (a inventividade foi uma delas), seguidas das experiências não exitosas (a angústia da perda da pessoa querida, o medo da perda da fonte de renda). Para alguns, um aprendizado; para outros, um pesadelo com danos reais.

Somente alguns tinham que sair de suas casas para trabalhar (creio que os profissionais da saúde, e suas famílias, foram os que mais sentiram os desgastes emocionais); outros, de vez em quando, saiam, embora tensos, para fazerem as compras de gêneros alimentícios e do kit sobrevivência.

Outra busca tortuosa era por máscaras, e se estas eram eficientes ou não. Em virtude das intensas procuras pelos artefatos, surgiram vendedores que confeccionavam máscaras para garantirem suas rendas. O problema era saber se realmente estes artefatos caseiros eram mesmo eficientes para bloquear o vírus. Estudo realizado na Universidade de Qingdao, na China, mostraram que a máscara caseira apresenta 95,15% de eficácia, as cirúrgicas chegam a 97,14% de proteção e a N95, máscara bem preparada, cuja eficiência chega a prolongar o uso da mesma em até 15 dias, protege 99,98%.

A tensão estava sempre atrelada ao futuro imediato. Será que tem muita gente no supermercado? Será que vou deparar-me com alguém contaminado e, pior ainda, sem máscara? Será que as pessoas irão respeitar o distanciamento necessário na fila do supermercado, ou no banco, ou nas casas lotéricas, ou nos hospitais? As incertezas, já tão discutida pelos filósofos e sociólogos, tornavam-se assunto corrente entre médicos e cientistas.

Alguns hospedeiros que passaram pela contaminação sem maiores danos diziam que estavam curados da doença, e que já estavam protegidos, pois haviam adquirido imunidade. Estes hospedeiros e os valentões (que ainda não tinha sido infectados) começavam a sair com mais frequência. Estes inconsequentes serviram de exemplo para outros inconsequentes, e a coisa foi tomando forma. Até os que estavam com medo começaram a criar coragem.

Daí, foi um pulo para que, aos poucos, o povo começasse a sair do seu enclausuramento familiar. Ao sair, encontravam algo para se ocupar. Algumas lojas, restaurantes e bares começaram a dar um jeitinho para ludibriar os decretos e trazerem o povo para dentro dos seus estabelecimentos. Pouco a pouco aumentavam os transeuntes pela cidade. A coisa tomou proporções maiores, transformou-se na “casa da mãe Joana”. Mesmo com o decreto ainda vigente, mantendo certo controle no comércio, algumas lojas e restaurantes não obedeciam. Foram necessários fiscais nas ruas autuando alguns estabelecimentos que desrespeitavam as normas.

Diante da pressão dos empresários e do governo federal, alguns governadores cederam e decidiram imediatamente a promover o retorno do funcionamento do comércio. Outros governadores, ouvindo a comissão científica de saúde, promoviam a retomada das atividades do comércio de modo controlada. Estas atitudes viabilizaram a falsa ideia de que o vírus já estava controlado, os riscos haviam passado, e que estava tudo voltando ao normal.

Logo, sem o medo para controlar os indivíduos inconsequentes, os riscos de novas infecções aumentaram. É justamente neste ponto, onde se perde o medo, que o perigo cresce. Sabemos que o excesso de confiança (o tal: isto eu conheço como a palma da minha mão) é uma das causas de acidentes. Por exemplo, levantamento realizado pelo curso de especialização em Psicologia de Trânsito da Unoeste, que examina acidentes de trânsitos, revelou que uma boa parte dos acidentes estão relacionados ao excesso de confiança e a falta de informação. Em uma palestra realizada no Centro de Estudos da Sociedade Portuguesa de Santos pelo engenheiro Florestal e de Segurança do Trabalho, Luiz Eduardo Torquato da Silva, frisou que a autoconfiança é inimiga da segurança.  Ele destaca ainda que:

Inúmeras são as causas dos acidentes, mas o excesso da autoconfiança é muito preocupante, especialmente se ela estiver associada ao medo negativo, porque este tipo de medo leva o indivíduo a cometer erros por desconhecimento ou por negligência. Já a autoconfiança associada ao medo positivo é benéfica, porque esse medo leva a pessoa a ter cautela e seguir as normas existentes.

Deste modo, faz-se necessário um trabalho redobrado de cuidados, haja vista o aumento da confiança de que o vírus foi vencido, de que ele perdeu a guerra, escafedeu. Nada disso! Ele está aí, muito ativo, esperando um outro hospedeiro confiante demais, metido a valentão, ou mesmo um otário inconsequente.