Em um encontro casual alguém pergunta:
-Olá, como vai? – de imediato, e sem titubear, a outra pessoa responde, -Vou levando. – esta, por continuidade taxativa devolve a pergunta, -E você, como vai? – a outra responde na mesma medida e intensidade, -Vou levando também. A conversa não continuou, e ambos tomaram rumos diferentes.
Sobre este pequeno diálogo, tão comum nos dias de hoje, pode-se fazer algumas indagações: o quão realmente a pessoa ‘vai levando’? A resposta é vaga, e dar a entender que o que ela não quer mesmo é levar à conversa adiante. Por qual motivo? Vários motivos levam algumas pessoas resumirem certas conversas. Então, vamos ver algumas poucas hipóteses:
a) na primeira hipótese pode-se aludir: quando alguém pergunta “como vai” não significa dizer que ela queira realmente saber. Algumas vezes estas duas palavras são clichês, funcionam como abertura de diálogo que pode ser curto ou prolongado, embora a preferência seja pelo primeiro. É importante observar que, para alguns, ter que ouvir uma extensa autobiografia, após uma pergunta como essa, é de uma enorme chatice. Clodovil Hernandes (foi estilista, político e apresentador de televisão – era bastante polêmico nas suas falas), externou isso em seu programa: “Sabe o que é uma pessoa chata? É quando perguntamos para ela ‘como vai’ e ela vai contar toda a sua história”.
b) outra hipótese seria que algumas pessoas não querem falar sobre suas vidas, ou mesmos, nem querem perder tempo com particularidades nas quais não dizem respeito a outro. Possivelmente, esta atitude seja de alguns seres comedidos, principalmente se o assunto for sobre desejos, medos e emoções mais complexas. Neste caso, a pessoa não consegue falar nem para seus amigos mais próximos e/ou familiares. Fecha-se em si mesmo. Preferem ficar a sós, engolir cada emoção, curtisse. Digerir cada sensação independentemente de qual seja. Ficar em silêncio ajuda no processo da criatividade, e ainda é um recurso de grande alvitre ao ser humano, porém já quase extinto nos dias de hoje; como afirmou Umberto Eco: “o silêncio está preste a se tornar um bem caríssimo”. Algumas vezes nem é melhor mesmos prolongar o assunto. Até porque, poucos são os que estão presentes na conversa. Sharon Zukin, socióloga especializada na vida urbana moderna, acrescenta: “Ninguém mais sabe falar com ninguém”. Muitos preferem a sua própria companhia, isto não significa que a pessoa é solitária. Não devemos confundir solidão com a individualidade, são coisas diferentes, cada uma com suas particularidades peculiares.
A individualidade é uma opção, fruto de uma escolha, uma condição fundamentada na segurança, característica de uma determinada personalidade. A solidão abarca outro sentido, já que ser só é ser si mesmo, sem recurso, e é a verdade da existência humana. “A solidão é uma regra”, dizia Sponville; e ninguém pode viver, morrer ou sofrer em nosso lugar. Buda afirmava que o homem nasce só, vive só e morre só.
c) a terceira, seria a falta de tempo para implementar uma conversa prolongada. A necessidade de ter de explicar tudo em um momento no qual o assunto não é propício é um desastre. A vida agitada leva ao afastamento de coisas que não têm relação imediata com a meta desejada, por isso tem-se a noção de que aquilo, estranho ao caminho, toma parcela do tempo. Algumas ficam até apoquentadas quando são interpeladas em momento inconvenientemente. Respondem de maneira ríspida, e com frases curtas. Possivelmente não seja por falta de educação, e sim, falta de planejamento; ou, ainda, da pretensa noção de que o mundo não funcionará se elas pararem por um instante. Essa correria remete a música “Sinal Fechado”, na qual ouvia nos momentos de devaneios. Composição de Chico Buarque de Holanda em 74 (escute aqui). Ver letra da música abaixo:
Sinal Fechado
Olá, como vai
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranqüilo, quem sabe?
Quanto tempo…
Pois é, quanto tempo…
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios…
Qual, não tem de que
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo, talvez
Nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo…
Pois é, quanto tempo…
(…)
d) a quarta hipótese está ligada as formas como hoje ocorrem às conversas entre duas pessoas ou em roda de amigos. O pouco respeito que parte das pessoas dá ao momento da conversa. A tecnologia (leia-se celular) rouba a cena na maioria dos encontros. Eco asseverou em uma de suas entrevistas que “o celular só devia ser permitido para os transportadores de órgãos, os bombeiros hidráulicos (em ambos os casos, pessoas que, para o bem social, precisam ser encontradas de imediato onde quer que estejam) e os adúlteros”. Concordo, com algumas restrições e acréscimo. Não nego, e nem tem como negar, a importância dos celulares no nosso dia a dia. Sempre é bem-vindo, quando colocado no devido lugar: no trabalho (no uso controlado), nas emergências, nos registros dos momentos importantes da vida etc. Não obstante, o uso deve vir acompanhado de muita parcimônia para que o aparelho não passe a ser um incômodo desnecessário.
Bom… há outras hipóteses que poderiam ser acrescentadas, mas temos que encerrar o excerto. Afinal, tudo em demasia abusa.