Manhã de domingo, dia normal como qualquer outro… o vento venta, os pássaros gorjeiam, a maré mareia e o sapo sapeia. A única diferença foi que tive que ir ao Ceasa (Centro Estadual de Abastecimento S/A), aqui na cidade tipificamos por Cobal (Companhia de Abastecimento de Alimentos.
Pois então… já fui frequentador assíduo (sempre aos domingos) da Cobal. Como quem vai a igreja todos os domingos, eu ia a Cobal. Algumas vezes não entrava no recinto, esperava a minha mãe e irmã fazerem as compras. Aproveitava o ócio, acomodava-me em uma calçada, e fazia as minhas leituras; outras vezes, andava por entre as barracas de frutas, carnes e peixes. Tenho uma certa atração emocional, em certo sentido, pelo ambiente. Talvez, a ida constante aquele local tenha provocado laços afetivos, escrevi algo sobre esta emoção aqui: “A nossa egrégia Cobal é um furdunço só“.
Hoje em dia já não frequento a Cobal como antes, vou esporadicamente. Não sou adepto à dieta com carne, embora ainda faça uso alimentar com preferência a peixes e ovos; a sabedoria milenar ensina que viver nos excessos (nos estremos) é sempre estar em desequilíbrio. Não faço parte dos 81% dos brasileiros que consomem carne como preferência, e nem os 8% que não comem de jeito nenhum (os vegetarianos estritos). Quando tenho que comprar legumes, ovos e o meu sagrado mel de abelha (que uso na minha papa de aveia como adoçante, ou ainda, degusto em sala de aula – o mel é um excelente anti-inflamatório, além de ter proteínas, vitaminas e minerais) visito a Feira da Agricultura Familiar, fica ao lado do museu da cidade.
A despeito de alguns regozijos em frequentar aos domingos o recinto, meus olhares buscavam outros ângulos, numa visão mais crítica, desacostumada dos olhares ordinários dos transeuntes periódicos. Com os olhares afinados é possível perceber as cenas pormenorizadas, a despeito de serem corriqueiras, são escondidas pelo hábito do descaso.
Ao passar pelas barracas nas quais estavam as carnes em exposição, e sem o acondicionamento necessário, sentia-se emanações de coisas mortas com os seus cheiros secos, pontiagudos e penetrantes. Em uma das bancadas com azulejos amarelados e encardidos, por onde escorria um filamento de sangue vermelho escuro da parte de cima até o pé da bancada, com presença de moscas formando grupos contíguos em voos subindo e descendo sobre o ser inativo e estirado, havia um crânio de um bode cujo os olhos, brilhantes e com as pupilas excessivamente dilatadas, sobressaiam; agarrada ao crânio, estava o resto do corpo do bode, esfolado e esquartejado. Um pouco mais à direita, na mesma barraca, numa parede encardida, pendurado por um gancho, estava outro bode cortado em duas partes, ambas eram centro das atenções das moscas. Não tive como fazer o registro da cena, o vendedor estava a olhar fixamente para mim. Disfarcei e sai assobiando a música, “Apesar de você”, de Chico Buarque.
Bem próximo a esta barraca outra cena se destacava, agora o registro foi realizado, disfarçadamente. O que se observa, além das carnes em cima de uma bancada e expostas ao ambiente, sem nenhuma proteção contra as moscas e o contato direto das pessoas com o produto, são sacolas semiabertas, colocadas no chão. A imagem mostra que em uma das sacolas há órgãos internos (vísceras) tendo contato com a parede da base do bancada e com o chão, por onde há fluxo de pessoas.
Em outros registros, agora na área externa, um carro estacionado com vísceras e mocotós (tíbia e pé do boi) em sua carroceria chamava a atenção das moscas e dos transeuntes. O veículo ficou lá por alguns minutos a espera de alguém para retirar os produtos expostos ao ar livre. Logo na entrada do estacionamento, que dá acesso à área de descarregamento dos produtos alimentícios (frutas, verduras, carnes etc.), à direita de quem entra pelo portão, estão os contêineres contendo lixo, a céu aberto, que liberava odores fortes.
Diante de tanto descaso, devemos ter em mente que o consumo de carne sem ser observada a devida higienização e salubridade, exposta a todo tipo de inficionacão, fora dos padrões de acondicionamento (como mostram as imagens), é um grande risco a contaminação por bactérias, o que pode vir acarretar diversos problemas de saúde (vômitos, diarreia e mal estar), algumas são capazes de levarem a morte. Segundo alguns infectologistas, uma das doenças mais perigosas é a cisticercose (veja vídeo) que pode comprometer o sistema nervoso central.
A Cobal tem dessas coisas, e muito mais. Muitas barracas estão nas mesmas condições das barracas relatas aqui, e até pior do que estas em destaques. Contudo, por ter produtos muitas vezes mais baratos (às vezes o barato sai bem mais caro), o fluxo de consumidores é intenso, principalmente nos finais de semana. Mesmo assim, ainda não vi, e nunca soube, que os responsáveis pelas vendas dos produtos tenham sofridos quaisquer sanções. A inatividade da Vigilância Sanitária e do Ministério Público favorecem as práticas negligentes do comércio.