Então, é hora de ir; este ano já está “nos finalmentes”. As aventuras foram tantas, e as desventuras outras tantas. Mas antes de ir vou escrever a última missiva de 2021.

Para o ano vindouro, caso a vida me permita, vou tentar fazer o que sempre faço, com alguns acréscimos e supressões. Neste caso, seguirei alguns conselhos antigos, principalmente vindo de quem já testou o processo do viver.

Embora saiba que não existe manual para experienciar a vida. Viver aprende-se vivendo. A estrada da vida é maleável, muda de conformação na medida em que se dá os primeiros passos, é cheia de reentrâncias e bifurcações, alguns perigosos e outros nem tanto. Viver é correr risco; “viver dói”, já dizia Clarice Lispector.

Segundo algumas tradições religiosas, o caminho a ser seguido é sempre o caminho do meio, o caminho do equilíbrio. Nada de extremo. Todo extremo carrega muito sofrimento. Isto não significa dizer que se trilharmos o caminho do meio não sofreremos. O Budismo considera que o sofrimento faz parte da vida, não temos como escapar dele, mas podemos amenizá-lo percorrendo caminhos com a atenção plena, consciente das nossas ações e suas possíveis causas.

Considere a possibilidade de criar metas para se chegar a um determinado objetivo. Elas serão seu mapa até o ponto desejado, além do mais, não deixarão você entrar em bifurcações desnecessárias no percurso da aventura.

Desconsidere as metas mirabolantes, a maiorias delas é perda de tempo. Creio que o “pé o no chão” dará mais possibilidade para atingir o objetivo — preferível as metas em curto prazo, as de longo prazo costumam vir com decepções e angústias.

Contudo, acredito também no que Ernest Becker explanou: “A vida só é possível com ilusões”. O mesmo autor disse que a vida é um problema demasiadamente grande e ameaçador. Por isto necessitamos das ilusões. Criamos as ilusões por medo de enfrentar a realidade dos fatos biológicos do nosso organismo.

Somos compostos de fluidos, carnes e ossos, e ainda por cima “cagamos”. Além do mais, não demorará muito para deixarmos de existir, cair nas garras do esquecimento eterno; pode ser a qualquer momento. O nosso heroísmo (que vem da força do ego) nada mais é do que estratégia para não lembrarmos que somos seres fracos à luz da Natureza. Eric Fromm, citado por Becker, dizia que não há essência alguma.

A tal essência do homem é, na verdade, sua natureza paradoxal, dado o fato de ele ser metade animal e metade simbólico. A vida é um paradoxo existencial: o absurdismo incomoda as pessoas, a vida tal como ela é.

Mas vamos deixar de falar dessas coisas estranhas em pleno romper do ano. Não é hora de falar em algo “pesado”. Não é hora de assustar a ninguém. Vamos deixar para depois. Agora, é a hora de tiramos da caixa de Pandora nossas ilusões (ilusão em alta dose; melhor dizer: overdose de ilusões direto na veia) acompanhadas das nossas personas.

Chegou o momento de desejar tudo de bom ao outro, mesmo aquele outro que você não sente bom grado; mas para efeito de uma boa persona, vale o embuço. Jung, ao discorrer sobre as nossas personas, dizia que nós agimos de maneira diferente para cada ambiente social, esses ajustes estão relacionados também a nossa capacidade de adaptação a certas circunstâncias conforme necessitamos de pertencer ao um certo grupo, ou seja, usamos nossas máscaras para melhor adaptarmos a eventualidades do momento.

Festa de ano novo tem algo de bom, a gente aprende a usar as nossas máscaras com mais eficiência. Desejar ao outro “feliz ano novo” está muito semelhante a expressão “graças a Deus”. É algo dito da boca para fora, sem sentimento (no popular: sem coração), sem intensão real. Mas não devemos nos preocupar com isso, somos humanos; e como disse Terêncio: “Nada do que é humano me é estranho”.

De mais a mais, ainda aludindo Becker, “a causa universal e geral da maldade, da culpa e da inferioridade pessoais são o mundo natural e o relacionamento da pessoa com esse mundo”.

Quando o outro diz feliz ano novo está pensando na vida dele (ou dela) e não na sua. O ego sempre fala mais alto. Freud identificou que cada um de nós repete a tragédia do Narcisio relatada na mitologia grega: estamos perdidamente amando a nós mesmos.

Quando temos medo de que alguém que amamos se machuque, não estamos, necessariamente, preocupados com ela, mas consonoco. Funciona mais ou menos assim: não quero que a minha esposa sofra, porque se ela sofrer eu também vou sofrer; e eu não quero sofrer.

Na real, e isto não é nossa culpa, é algo ancestral (evolutivo), parece ser da nossa natureza animal, o organismo se protege. Aristóteles já dizia: “sorte é quando o sujeito ao seu lado é que é atingido pela flecha”. O impulso evolutivo é muito forte, nossa civilização tenta moldar esta força para que as pessoas não se sintam continuamente ameaçados.

Todavia, deixando isto, por enquanto, dentro da caixa de Pandora, vamos às comemorações de Ano-Novo; ou, tecnicamente falando, mais um ciclo completo de translação da Terra na orbita solar que vão perfazer 365,256363 dias solares.