O confinamento, além de provocar vários desconforto (podemos ver isto em várias reportagens com pessoas que estão há dias recolhidas em suas casas), favorece algumas possibilidades criativas interessantes. Antes da chegada da pandemia estávamos ocupados com outros afazeres e não conseguíamos notar certos detalhes em nossas casas. O vírus destroçou (ou alterou) alguns hábitos e forçou mudança em nossa rotina, fez com que olhássemos de outro ângulo certos eventos.

Dizem por aí que só vemos o que queremos ver; ou seja, nada que não seja do nosso interesse imediato não passa pela fixação do nosso olhar. Você pode até ter visto, pois passou pelo seu campo visual, mas não foi capturado pelo seu software (seu intelecto). Masataka Watanabe, do Instituto Max Planck, na Alemanha, explica que ver e enxergar são coisas bastante diferentes e envolvem partes distintas do nosso cérebro. Assim sendo, dissertarei inicialmente sobre algumas ações singulares que passam despercebidas e, ao fim, um enfoque sobre certos devaneios. Contudo, relatarei uma pequeníssima parte de tantas outras que cogito diariamente.

Aqui em casa há divisões de tarefas (não é algo imposto e nem discutido, naturalmente se reconhece a necessidade de ajudar o outro), pelo menos funciona muito bem no confinamento, e a minha parte restringe-se, entre outras coisas, a lavar utensílios de cozinha, espanar e varrer. Em cada tarefa disponho-me enxergar além das ações habituais (Entenda “ações habituais” como: fazer as coisas com o piloto automático ligado, ou seja, sem prestar atenção nos detalhes), isto ajuda a enfrentar o confinamento com menos impacto negativo no emocional. Sabemos que não é fácil ficar em quarentena, mesmo o lugar mais prazeroso pode se tornar uma tortura. Tudo em demasia abusa, diz um adágio popular. 

Entretanto, é possível usar a imaginação para tornar estes momentos um pouco mais receptivo. “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”, escreveu o poeta português Fernando Pessoa. Eu diria, tudo vale apena se a mente não for pequena pra imaginar e criar estratégias.

Na limpeza dos apetrechos da cozinha a tática é ser ágil com sustentabilidade. Lavar panelas, louças e talheres dos menos sujos aos mais sujos, por exemplo, evitará que a bucha fique impregnada de gorduras e passe para os demais objetos (normalmente uso duas buchas para limpeza diferenciada). Ao utilizar estes produtos (sabões e detergentes) sempre é bom lembrar: não é a quantidade de espuma que determina a limpeza; desta forma, evito o uso desnecessário e ainda consigo economizar água. Outro artifício interessante é fazer a permuta entre o sabão e o detergente. O sabão pode ser usado para retirar a sujeira não gordurosa, e o detergente para retirar a gordura. Sabões são quimicamente menos (ou um pouco menos) prejudiciais ao meio ambiente do que certos detergentes, e estes, por sua vez, é quimicamente preparado para remover com facilidade as gorduras.

Para diminuir o consumo excessivo da energia física no cumprimento das tarefas domésticas, por exemplo na utilização da vassoura, matuto sobre a maneira de operar eficientemente este aparelho tecnológico em meu favor. Pois bem, é necessário que este aparelho esteja limpo e em bom estado de conservação para que o serviço seja o mais eficiente possível. O mais viável é criar expediente de limpeza. Pensar bem por onde começar e onde terá que terminar. Creio que fazer divisões em partes, por cômodos, e recolher em seus respectivos cômodos cada montante com pá evitará alguns transtornos, posto que ajuntar toda a sujeira da casa em apenas um local poderá provocar eventuais desastres; por exemplo, corrente de ar, ou outra coisa, poderá espalhar o montante, ou ainda, ao deslocar a sujeira em uma única porção pela casa mais partículas de poeiras, muitas imperceptíveis, podem desprender-se em finíssimas camadas por sobre os móveis (que talvez já tenha limpado, antes de varrer).

Na hora do ócio (momento da tal “mente vazia”), um ócio mais característicos advindo do confinamento, a coisa fica mais estranha e interessante. Certo adágio popular enfatiza que mente vazia é oficina do diabo. O poeta inglês, William Cowper (séc. XVIII), dizia mais ou menos assim: “Falta de ocupação não é repouso; uma mente vazia vive angustiada”. Talvez seja isto que o escritor Victor Hugo quis dizer em um dos seus livros, Os trabalhadores do mar, quando afirmou que a realidade em alta dose espanta. Tudo bem… gosto do espanto (apesar de ter medo quando ele chega). Prefiro seguir na linha de pensamento de Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray, quando ele diz que os mistérios têm todo o encanto de um derriço. São sim, derriços de filmes de ficção (ou terror). Assemelho-me nas ideias de John Fitzgerald Kennedy quando ele nos fala que usa o tempo como uma ferramenta, e não como um sofá.

Pois então, no ócio do confinamento enxergo em alta definição. São devaneios engraçados, tipo quando você olha para as nuvens e percebe quimeras em transmutação. Vejo monstros mitológicos quando na realidade são galhos caídos ao chão; ou mesmo, uma simples espécie de piolho de cobra (Diplópode) vindo em minha direção lembra uma perigosa cobra mitológica. Estas alegorias deixam o momento engraçado, justamente por ter a certeza de que não existem. Diferentemente do enredo tangível da vida, em especial a Covid-19, é claro. Nestas alegorias, a minha mente revinda-se ao momento da criancice, quando brincava sozinho com os bonecos e elaborava ambientes cheios de obstáculos afim de promover aventuras. Montava meu próprio enredo e delimitava polos antagônicos por onde os personagens (bonecos) iriam digladiar, algumas vezes faziam alianças entre grupos, sempre com objetivo em conquistar um espaço mais seguro (assemelha-se com a realidade do momento).

Dessa forma, permeio um ambiente em que muitos têm como inóspito (estar confinado), resolvendo os afazeres factuais e ainda atinando aventuras mitológicas no ócio. Se estar no ócio promove-me a uma mente vazia (embora não acredito que esteja com a mente vazia, pois parece que medeio estágio pra lá de alfa), e, por conseguinte, estaria participando da oficina do diabo; então, espero sempre comparecer a esta oficina.