Em confinamento os dias parecem assemelhar-se, há um certo desfoque que esconde as diferenças. Algumas coisas são afetadas, outras não; o meu horário de acordar é o mesmo, por volta das 4h30 ou 5h (isto depende do que irei fazer neste período até as 7h: alguns exercícios orientais, ou uma corrida leve, ou trabalho em casa, ou leitura, ou escrita etc.), isto não foi afetado. Embora embaralho-me, por displicência, nas horas e nos dias. Se me perco com as horas a culpa não é somente minha, posto que o relógio tem lá sua culpa. Se eu olhar as horas de relance me confundo, porque o relógio de parede está com o ponteiro das horas deslocado para adiante; quando ele deveria marca meio-dia, no qual o ponteiro das horas deveria estar alinhado com o ponteiro dos minutos, já tem passado pelo número doze. Às vezes ataranto-me ao espiar de pronto para o relógio e não saber se é meio-dia ou uma hora. Com olhar mais cabreiro reconheço que é exatamente meio-dia, posto que o ponteiro passou do número doze, mas não chegou no número um. Atrapalho-me também com o passar dos dias, o hábito de ir a labuta era garantia de estar conectado ao calendário. O confinamento mudou esta marcação compulsória e deixou a coisa ficar frouxa; os deslizes ficaram mais frequentes, já acordei numa quinta com a cabeça no sábado.

Sair para comprar gêneros alimentícios semanalmente passou a ser melindroso, antes era naturalmente comezinha. Cada saída requer cuidados que anteriormente não se atinava com tanto olho, por exemplo: usar máscaras ao sair de casa, passar álcool nas mãos antes de entrar no supermercado e logo após ao sair, manter um certo distanciamento físico das pessoas, em alguns ambientes para qualquer lado que se olha percebe-se marcações no chão e placas com avisos sobre o distanciamento necessário, retirar a roupa utilizada na rua e não misturar com as demais etc.

Na prática esportiva, quando é possível hoje em dia, antes praticava em academia (ou praças), a coisa mudou também de parâmetros de proximidade social. Por sorte, tenho uma vasta área de segurança e consigo atinar para as recomendações que destinam distanciamento seguro entre as pessoas para a caminhada (deve ser mais ou menos de dois e três metros) e para a prática de corrida (distância deve ser aumentada para mais ou menos dez metros).

Todavia, enquanto algumas atividades domésticas e de saúde estão sendo restringidas, porque a chegada da pandemia obrigou muita gente a ficar isolada de amigos e alguns familiares, tudo virou de ponta-cabeça, outras vão por caminhos distintos como o uso da internet, um santo remédio para aliviar o distanciamento espacial. Vale lembrar que a comunidade digital já havia liquidado o distanciamento espacial antes mesmo da chegada da pandemia. Embora anteriormente, antes do Covid-19, a internet favorecia (e ainda favorece, creio; ela apenas está mascarada pela face do vírus) a comunidade digital a manter-se afastada um do outro, longe do contato real. O distanciamento opcional (leia-se: o contato virtual),  visto benfazejo por alguns, veio como baluarte do contraponto sem rosto, estratagema bem-vindo, já que o papo entre pessoas, quando desagradável a uma das partes, pode ser rapidamente cortado (ou bloqueado) sem que haja qualquer risco iminente de agressão cara a cara. É fato que estas novas possiblidades criam certas problemáticas, entre as quais, anonimidade (ou o sem rosto) que abre caminho para o desrespeito entre pessoas.

A despeito destas problemáticas trazidas pela internet, e olhando de um ponto de vista mais otimista, a rede está amenizando os efeitos do distanciamento. Os smartphones estão sendo mais úteis do que já eram, não é de se admirar que os idosos estão cada vez mais utilizando dos aparelhos como meio para aliviar o estresse causado pelo confinamento.  A comunicação digital, que já vinha crescendo há alguns anos, teve aumento considerável. A compra de equipamentos eletrônicos cresceu nos últimos meses. Na Europa, em plena pandemia, a venda de webcam cresceu mais de 295%, a de monitores atingiu 120%. Em relatório, a empresa Logitech divulgou aumentou de 14% nas vendas dos seus equipamentos no ano fiscal de 2020, o relatório fazia comparações com o mesmo período do ano 2019.  Recentemente as gigantes da internet, Amazon, Facebook, as plataformas de streaming, entre outras, tiveram crescimento acelerado nestes períodos.

Diante destes momentos transloucados, a abertura de uma janela virtual alivia a agonia, cria mecanismo para exercermos nossas funções labutaria, mas não nos tira a responsabilidade de seguirmos uma trajetória de ações que venham a priorizar a nossa saúde e a saúde de outrem. Devemos utilizar esta tecnologia para o bem da comunidade, e não para causar maiores danos com propagações de notícias falsas, ou mesmo o descontrole emocional que venha afetar a outra pessoa conectada. A vida lá fora, com o Covid-19, já está bastante conturbada, portanto, não torne ainda mais tumultuada o ambiente jogando dejetos pela janela.