Desde 600 a 500 a.C. vindo da Grécia num contexto religioso, referente ao cultos de agradecimento aos deuses pela produção agropastoril (deuses da fertilidade do solo), a festa pública estende-se até nossos dias, sofrendo metamorfose por conta da dinamicidade das sociedades.

Na era cristã, no ocidente, a partir de 590 d.C. os festejos da comunidade cristã eram pautados na ética e na moral, por isso a igreja proibia qualquer ato infame. A despeito destas proibições a população criou festejos para que, um dia antes da chegada da Quaresma, o povo pudesse expressar-se sem as normativas religiosas; ou seja, criou-se a festa pagã. Hoje, sabe-se que o Carnaval foi incorporado pela Igreja Católica como sendo o libertar-se da carne. Do nome Carne Vale (adeus a carne), em latim, surge o termo Carnaval.

Embora os festejos atuais tomaram caminhos diferenciados desde o seu início até nossos dias, o evento (na sua forma mais povão) está cada vez mais associado a sexualidade (culto ao corpo), ao consumo excessivo de bebidas e uso de produtos alucinógenos. Encontram-se presentes às festividades os trajes circenses, as máscaras, os apetrechos decorativos e simbólicos; não faltam também sátiras políticas, as críticas sociais, as músicas eufonizadas e tantas outras manifestações pagãs contemporâneas.

Algumas músicas carnavalescas mais ecléticas, por exemplo, contam eventos históricos e manifestações sociais; outras, entretanto, enfatizam ao preconceito (ainda que embutidas pela dualidade de sentidos e/ou pela euforia do evento), o amor romântico e, em maior ou menor grau, a sexualidade pejorativa. Algumas músicas deste ano (alguns exemplos abaixo) não deixaram nada a desejar em relação ao ano anterior com relação a sua forma vulgarizada.

Mesmo sem querer, e o ambiente de vizinhança no qual estava não era favorável as outras manifestações mais culturais (que carregam informações históricas e de consciência), tive que ouvir este tipo de descaso. No entanto, usei estratégias para amenizar os impactos deletérios aos meus ouvidos, o fone de ouvido foi um deles. Escolhi o meu próprio repertório carnavalesco sem a sinergia com as músicas que rolavam no momento. Embora a estratégia tenha ajudado bastante, não foi suficiente. O aparelho não vencia certos paredões de som carregados de melodias (se é que posso chamar de melodias) repetitivas e quase sempre monossilábicas que eram capazes de penetrar ouvido adentro.

Diante da baixa qualidade das letras em algumas músicas (me parece que elas foram as mais tocadas) cabe perguntar: será que nos carnavais atuais, levando-se em conta os novos músicos, faltam criatividade (imaginação cultural) musical? Ou ainda, seria oportunismo do cantor e/ou compositor que, sabendo da baixa qualidade de suas composições e/ou interpretações, disfarça com batidas contínuas e repetitivas (estilo funk) que induz a sexualidade barata, pejorativa?

Creio que faltam, aos jovens músicos, estilos mais elaborados de composições e arranjos. Segundo o professor de música Lufe Herlinger, em uma de suas apostilas sobre teoria musical, “música é o conjunto de Harmonia, Melodia e Ritmo”. Dito isto, fica claro o que podemos classificar como a boa música. A despeito do repertório tocado pode-se dizer que algumas músicas não tinham melodias e nem harmonia.

Todavia, neste carnaval nem tudo estava perdido, ouvi alguns arranjos bastante criativos. Cuidadosamente elaborados para os “ouvidos mais conscientes”. O bom disso é que ainda há trabalhos musicais bem elaborados que impedirão a completa aceitação dos novos compositores (ou interpretes) adeptos a baixa qualidade musical. A música de baixa qualidade, apesar de rápido crescimento e aceitação, não dura muito tempo; rapidamente é engolipada pela sutileza de um repertório maduro e inteligente.

Vejam alguns trechos das músicas que estavam nas paradas carnavalescas deste ano:

Michel Teló

(…) Nossa, nossa, assim você me mata! Aí se eu te pego, ai, ai, se eu te pego

Mc Balakinha

(…) Vai Sentando

Vem sentando
Vem sentando vem sentan- sentan- sentando
Vem sentando rebolando
Mas meu pau não vai abandonar

Mas meu pau, mas meu pau, mas meu pau pau pau (…)

Mc Balakinha

(…) Só safadinho, safado
Cachorro e safadão
Quando eu tava no pique
Ela sentiu a pressão

Tome tome empurradinho, tome empurradão
Tome empurradinho, tome empurradão
Tome tome empurradinho, tome empurradão
Tome empurradinho, tome empurradão
(..)

TBT (Mc Luan da BS)

(…) Recordações de tu falando que tu adora vilão
Disposição e no Marcus Vinicius que da sentadão
Senta no pau de ladrão, pode sentar com pressão
Senta com força na pica menina, só porque eu sou malandrão
Senta no pau de ladrão, pode sentar com pressão
Senta com força na pica menina, só porque eu sou malandrão
Senta no pau de ladrão, pode sentar com pressão
Senta na pica menina, fode só porque eu sou malandrão
(…)

MC INGRYD

(…) No teu jeito que eu me amarro
De quatro, eu jogo o rabo
Sequência de toma-toma
Sequência de vapo-vapo

De quatro, eu jogo o rabo
De quatro, eu jogo o rabo
Sequência de toma-toma
Sequência de vapo-vapo
(…)

Pabllo Vittar

(…) Ra ra ra tim bum
É big big big big big seu bumbum
Te dou parabéns quando para a bunda
Te dou parabéns-éns quando para a bum bum
Te dou parabéns quando para a bunda
Te dou parabéns-éns quando para
(…)

Escute esta música (link abaixo) do compositor e professor de teoria musical Lufe Herlinger:

https://soundcloud.com/lufe-herlinger/poucos-minutos-s-o-horas