A volta às aulas é quase sempre lembrada como nova oportunidade de mudanças, sonhos e vontades se alinham (o difícil é mantê-los sincronizados até o fim da jornada anual). O tal “começar de novo” provoca euforia (seja por rever os amigos ou as amigas, seja por rever aquele ou aquela a quem mexeu com os corações dos(as) apaixonados(as), seja por vontade mesmo de estudar etc.). Tudo se repete em menor ou em maior grau. Podemos chamar “o eterno retorno” do “começar de novo”. Não estou falando de “o eterno retorno”* do pensamento nietzschiano. Não é tão metafísico assim. A coisa é mais prática.

Prato e copos da cozinha jogados no pátio da escola logo após servida a merenda

A proposta alimentada é a de que o “começar de novo” traga o desejo de novas possibilidades, novas condições de manifestar o agir. Todavia, embora a vontade (o desejo de mudança) seja pertinente, o agir parece não acompanhá-la. Algumas vezes assemelha-se as comemorações de final de ano (ou comemorações de ano novo), nos quais sempre prometemos isto e aquilo, mas no final do ano não se consegue isto e nem aquilo (e, muitas vezes, não houve vontade suficiente para lutar por isto ou aquilo). Parece haver um contínuo repetir das vontades sem a ação propriamente dita a fim de atingir os resultados almejados. Plantamos a semente da esperança e não levamos em conta os cuidados para fazê-la germinar.

Claro, devemos sempre alimentar a esperança, a cada volta às aulas a esperança deve vir com a sua própria potência de agir (lembrando Spinoza). É a esperança quem enseja ao movimento. Vale salientar, refiro-me a esperança no sentido intrínseco do verbo esperançar, verbo factitivo; e não na esperança no sentido do verbo esperar, verbo volitivo. É certo que a palavra ESPERAR designa, segundo o dicionário Houaiss**, não agir, mover-se até que aconteça algo que se tem por certo, provável. E o verbo ESPERANÇAR, vinda da palavra ESPERANÇA (no dicionário etimológico é a junção de: ESPERAR + ANÇA) designa ir atrás, buscar continuamente, não desistir.

Neste caso, quando falamos em educação, a palavra mais correta que deveríamos usar para cada início do ano letivo seria ESPERANÇA (esta deve estar alinhada ao verbo ESPERANÇAR). Seu sufixo ANÇA (etimologicamente***) significa AÇÃO. Devemos sempre ter esperança de que todos estarão atrelados ao bem comum (bem social) no seio da escola e, sobretudo, fora dela.

Isto posto, podemos arguir pelo registro acima (fotos) em referência ao fato, que a postura está complexamente ligada a ausência da esperança (do verbo esperançar). Certas atitudes estão fortemente ligadas as insólitas condutas educacionais consistentes na escola (formação escolar) e na família. Família, escola e sociedade devem formar elos orgânicos para que a esperança (do verbo esperançar) seja de fato internalizada, a tríade é condição sine qua non para esperançar o “começar de novo”. Aquilo que esperançamos na escola (cumprimento das normas internas, educação socioemocional etc.) empancou no verbo volitivo ESPERAR. O agir, me parece, ficou defasado por conta da espera.

A percepção é de que a coisa caminha muito lentamente, ou está movimentando-se em círculo (quase um eterno retorno). Faz-se necessário, urgentemente, um agir que nos mantenha na esperança de que algo realmente irá acontecer; e isto só será possível se a comunidade, por inteira, arcar com a promoção de hábitos saudáveis dentro da instituição.

A despeito da lentidão do processo de aprendizagem, quase se assemelhando ao trabalho de Sísifo, a escola deve alimentar o ‘bem pensar’ sugerido por Edgar Morin quando assegura que “este é o modo de pensar que permite apreender em conjunto o texto e o contexto, o ser e seu meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, em suma, o complexo”****. Em outro livro, o mesmo autor escreve: “é uma necessidade cognitiva inserir um conhecimento particular em seu contexto e situá-lo em seu conjunto”*****.

Cabe a nós, comunidade escolar ou não, agirmos na esperança (do verbo esperançar) que dias melhores virão (menção a música de Jota Quest, “Dias melhores”) com o ‘bem pensar’ na escola.  Com a esperança correta deveremos tornar o registro acima (fotos) fonte histórica, e não um ato contínuo, um eterno retorno do mesmo fato.

Apesar das frustrações, devemos mantermos ativos e engajados na esperança a qual enterramos (implantamos), seguir como na música de Ivan Lins, “Novos tempos”. Que nosso retorno às aulas seja de esperançarmos uma boa educação promotora do pensamento socioemocional e socioambiental.

* NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia ciência. Disponível em:<https://www.netmundi.org/home/wp-content/uploads/2017/05/Nietzsche-Friedrich-A-gaia-ciencia.pdf>. Acessado em: 10/02/2020

** HOUAISS, Antônio (org.); VILLAR, Mauro de Salles (editor resp.) Dicionário Houaiss conciso. Rio de Janeiro: Moderna, 2011. 1077p.

*** CUNHA, Antônio Geral da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon Editora, 1982. 839p.

**** MORIN, Edgar. Os sete saberes necessário à educação do futuro. São Paulo: Cortez Editora, 2004.

***** ____. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.