As fases nas quais cada um de nós passamos têm suas respectivas experiências que podem ser de grande valia ou não. Cabe a cada um fazer escolhas, decidir qual experiência deve ter mais crédito e qual irá ficar em segundo ou terceiro plano. Normalmente deparamos com estas escolhas em certa fase da vida, principalmente quando estamos bem mais maduros. Nesta fase as preferências mudam em número e grau. Claro que não há um protótipo ordinário que possa acomodar o bem viver. Não há receita. Goethe afirmava que “tudo é mais simples do que podemos imaginar e, ao mesmo tempo, mais intricado do que poderíamos conceber”. O que há são padrões individuais configurados pelos nossos desejos e sensações. Usamos algumas referências (baseadas em nossas ideias de mundo) para padronizar o que é bom ou ruim para nossas vidas.
Para algumas pessoas a saidinha na semana ou no final de semana, ir ao barzinho com os amigos, ir a um jantar, perambular nas noites em busca das baladas, conversar até doer o queixo (em dito popularesco), o tal jogar conversa fora, já não é tão importante assim. Algumas preferem ficar sozinhas, adentrar na solitude por vontade própria. Convém lembrar, estar sozinho não é ser solitário; ao solitário falta-lhe o refúgio. Buda afirmava que “o homem nasce só, vive só, morre só”. Vez por outra queremos ficar sozinhos, mas não solitários. Necessitamos desopilar sem ter que “aturar” alguém, embora se sabe que uma boa companhia de vez em quando é sempre bem-vinda, porém esbarramos no dilema do porco espinho dito por Arthur Schopenhauer (filósofo alemão) na metáfora urdida em sua obra Parerga e Paralipomena, para estampar o problema da convivência humana.
Escolher estar sozinho é uma opção que pode ser de grande valia. Os refúgios são variados como as leituras, o cinema, o passeio no parque, a prática esportiva, entre tantas outras que são passíveis de experimentações sem necessariamente estar acompanhado. A solitude o tornará mais consciente, irá livrar-lhe das distrações desnecessárias. André Conte-Sponville chama atenção para a pergunta: “quantos fogem da solidão, ao contrário, e são incapazes de um verdadeiro encontro? Quem não sabe viver consigo, como saberia viver com outrem? Quem não sabe morar com a própria solidão, como saberia atravessar a dos outros?”. A consciência atrai a solidão para a sua autodefesa contra a possibilidade de brotar experiências supérfluas. O mal de Elsa (no filme Fronze) é a consciência.
Outras preferem o ócio. Em nossa sociedade a ociosidade é quase sinônimo de preguiçoso. No dicionário etimológico, de Antônio Geraldo, está escrito que o ocioso é aquele que não trabalha, inativo. Mario Sergio Cortella explica que “o ócio não é a ausência do que não ter o que fazer, é a possibilidade de escolher o que fazer”. Creio, nos dias de hoje, que seja uma forma de ação na quase inação. Dominico de Basi, professor e sociólogo, escreveu: “o ócio pode gerar produtividade e ter alguma significância”.
Há outras que preferem ficar sem fazer nada. Para elas parece ser cansativo demais ter de pensar (no sentido de raciocinar), ou mesmo relaxar para fazer algo depois. Preferem ficar naquele instante, no pensar natural, sem esperar por, sem estar preso a. Apenas viver. A vida já é complexa demais na simplicidade. Fernando Pessoa em seu livro, Poemas Completos de Alberto Caeiro, escreve: “Há metafísica bastante em não pensar em nada”.
Por outro lado, algumas pessoas preferem estar nas festanças, nas bebedeiras acompanhadas com amigos que reverberam as falácias sem rumo e sem profundidade. É uma maneira em que elas conseguem aliviar as tenções. Estas não estão preocupadas em minar o escasso tempo com os regozijo corporais ou falaciosos. Acreditam que o que fazem é também uma outra forma viver, de adentrar na mente pelo gozo de Dionizio, penetrar nas experiências da vida salvaguardadas por Morfeu. Possivelmente devem levar a vida como na canção de Raul Seixas, Meu amigo Pedro, “Pedro, onde você vai eu também vou, mas tudo acaba onde começou”.
A consciência do momento desperdiçado na vida remete a frase de Bejamin Disraeli “a vida é muito curta para ser pequena”. Entende-se que seja necessário torná-la grande enquanto ela é curta, e evitar encurtá-la mais ainda com migalhas de aprendizados, muitas vezes insatisfatórios a despeito da qualidade das experiências nas quais queremos atingir. É vã aquilo no qual não se soma, precipuamente, a experiência pessoal enquanto corre-se para a velhice. Marco Aurélio escreveu em suas Meditações II, 5,2: “é preciso realizar cada ação da vida como se fosse a última”. Em Hamlet, de William Shakespeare, diante do crânio de Yorick em suas mãos (Yorick era o bobo da corte e fazia parte da infância de Hamlet) há uma frase muito famosa no terceiro ato do dramaturgo inglês: “Ser ou não ser, eis a questão”. Esta frase nos coloca diante da dúvida, da condição da escolha e da necessidade de tomar partido, embora não saibamos seus percalços. Chama a nossa atenção para pensar sobre nossas pegadas diante da curta vida. Nos alerta para a consciência dos atos.
Assim sendo, diante de tantas dúvidas, das inúmeras possibilidades de escolhas, das múltiplas bifurcações no caminho da vida; creio que será de bom alvitre escolher aquilo que fará a vida valer a pena ser vivida. Não se pode ficar à mercê dos atos, deve-se escolher conscientemente, sem desperdiçar o tempo com distrações nas quais não deixam algo mais profundo. Viver ativo, como disse Sênica: “enquanto se espera viver, a vida passa”.