Livrarias e bibliotecas são transcendentes porque os livros são transcendentes.
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Sebo em Mossoró – SÊBADO (no Shopping Oasis Center) |
O susto
Presenciei uma cena desanimadora no shopping da cidade, deparei-me com a livraria fechada (no sentido de que a loja de livros deixou de existir naquele ambiente). Uma grande porta de vidro fechada e nela fixado um enorme papel opaco escondendo o interior da loja. Diante daquela cena parei e respirei fundo, mudei de direção e entrei em uma cafeteria. Sentei-me à mesa da cafeteria, de frente a ex-loja de livros, e pedi uma xícara de café. Depois de alguns minutos tentando apoucar a cena, e após goladas mal-educada, matutei: duas coisas impulsionava-me a ir ao shopping: a livraria e o cinema. Agora, resta-me somente uma.
Em devaneio
Sentado à mesa da cafeteria, olhando aquele papel opaco fixado no vidro, cuja função era bloquear a visão para dentro daquela ex-loja de livros, a mente voava. A cafeína diluída em água quente aumentava ainda mais os devaneios sadios e nostálgicos: por de trás daquele papel havia um ambiente mágico; para mim, um templo cheio de magia, de possibilidades. Dentro daquele templo que emanara aroma particularmente especial (aroma dos livros), fizera-me sentir como se estivesse em um mundo encantado, um mundo metaforizado pelas leituras, cheio de informações das quais muitas delas não conseguiria absorvê-las, simplesmente porque estava limitado pelo tempo de minha pequena existência. Naquele local, em momentos anteriores, entretinha-me por horas a fio, não importava o tamanho da livraria, o desejo e o aroma do ambiente alargavam os espaços para a mente voar. Experimentava a teoria da relatividade de Albert Einstein, a noção da passagem do tempo dentro daquele ambiente não era o mesmo lá fora. Tudo estava além da realidade. Nem o desconforto físico era algo perceptível; muitas das vezes, ao folear os livros com mais curiosidade, sentava-me no chão (nas grandes livrarias há mesas e cadeira, algumas delas têm até sofá) para ler, além das sinopses, às informações sobre o autor (nas orelhas do livros). Na pequena e mágica livraria dispunha-se de pouco espaço para ficar bem acomodado, tinha um (ou dois) banquinho para sentar. Contudo, e como já dizia Castro Alves, se sua “alma não for pequena” aquele espaço é imenso para o bom leitor. Gostava bastante quando era atendido por um dos livreiros. Vale salientar que, quando falo em livreiro não estou falando do vendedor comum de livros. Os livreiros são pessoas (ou quase pessoas) mágicas, dispõem de conhecimentos necessários para indicar as boas leituras (alguns leem além do próprio gosto – justamente para ser uma resenha viva) – são seres que leem bastante. São oniscientes e onipresentes, conseguem viver em mundos paralelos e terem relacionamentos humanos.
Quase preparado
Antes de deparar-me com a cena desanimadora já havia lido em jornais online sobre o caso. Também havia recebido informes de um colega de trabalho. Não me dei por satisfeito, ao chegar em casa fui realizar mais pesquisas em busca de notícias em outras mídias; acredito que, inconscientemente, procurava alguma manchete que viesse a confirmar que aquilo era boato (Fake News, hoje em moda). Todavia, não era. O caso era mais grave do que pensava.
Ainda há esperança
Embora tenha confirmado a veracidade dos comentários e das notícias sobre o fechamento da livraria no shopping, tinha a certeza de que às venda de livros não deixariam de acontecer; a vida continua, o mercado é dinâmico, e os livros são nossos amigos. A despeito das notícias desalentadoras sobre o fato, não estamos em um governo como o do romance ‘Fahrenheit 451’ (O romance de Ray Bradbury, clássico da utopia da década de 50, retrata um governo dos anos 90 no qual acreditava que os livros atrapalhavam a felicidade dos cidadãos de bem).
Consciente dos fatos
Das pesquisas levantadas, via web, deparei-me com as seguintes informações: as vendas de livros online das grandes lojas virtuais como a Amazon, Estante Virtual, Livraria Cultura, FNAC entre outras, veem substituindo (e superando) as vendas de livros das lojas físicas. Parece que, aos poucos, as lojas físicas morrerão por inanição. Saber disso deixou-me desapontado (afinal, como afirma o Eclesiastes 1:18: quanto maior o saber, maior o sofrimento), visto que já havia comprado muitos livros online; todavia, não deixara de comprar, ainda que mais caros, nas livrarias físicas (seja aqui na cidade, seja em outras cidades), justamente para evitar que elas desaparecessem.
Enquanto houver livros, há esperança
Por sorte ainda temos os sebos. Em Mossoró (RN) temos somente três sebos (sebo, grosso modo, é forma abrasileirada do nome alfarrábios – loja de livros usados) e lá podemos sentir o aroma dos livros usados, além de tocar com os dedos engordurados (sebentos) às páginas já sebentas e empoeiradas. A magia é a mesma, em número e grau, embora as conformações mudem um pouco. Não obstante, estarei na batalha em prol da sobrevivência das livrarias físicas. Manterei as minhas compras netas mágicas lojas, cujo o produto transcende a realidade, seja elas sebos ou não. Estarei sempre combatendo o bom combate: lutando pela sobrevivência da magia capitalista das lojas de livros que se possam tocá-las e comê-las (no sentido do “comer Caetano” na música de Adriana Calcanhotto : ‘Vamos comer Caetano’ – homenagem ao cantor e compositor da música brasileira do Tropicalismo). Busco companheiros(as) para estas empreitadas.
Excelente texto meu amigo, traduz perfeitamente os meus sentimentos sobre o ocorrido e sobre a importância dos livros, livrarias e sebos.
Lutemos!
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Obrigado grande Jaciane. Somos nós que mantemos estas lojas sobrevivendo aos troncos e barranco. Abraços.
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