HOJE FAZ 90 ANOS anos do primeiro voto feminino no Rio Grande do Norte. A professora Celina Guimarães Viana, esposa do professor Eliseu Viana, fez seu primeiro registro histórico.

Abaixo, um pouco da história sobre o sufrágio contada pelo historiador Geraldo Maia. Logo em seguida (e aqui ao lado), algumas imagens (registradas em celular) de fotos obtidas no museu municipal da cidade (Museu Municipal Lauro da Escóssia), onde fiz os devidos registros.

Por GERALDO MAIA
(professor, historiador e pesquisador)

O desejo das mulheres brasileiras de participar da vida política do país é muito antigo. Alguns preceitos do Código Civil Brasileiro de 1916, no entanto, sacramentavam a inferioridade da mulher casada em relação ao marido. A nova ordem jurídica incorporava e legalizava o modelo que concebia a mulher como dependente do homem. A esposa foi declarada relativamente incapaz do exercício de determinados atos civis, limitações só comparáveis às que eram impostas aos menores e aos índios.
O mundo privado discriminava as funções conjugais, mas o direito da mulher ao trabalho iria depender da autorização de seu marido ou, em certos casos, de uma decisão judicial.
Com o desenvolvimento industrial e urbano, o acesso a uma melhor escolaridade, o avanço do feminismo e as frequentes reivindicações das mulheres por maiores oportunidades acabaram por abrir, fora do lar, algumas novas profissões para as brasileiras. Mas a aspiração da mulher era limitada. Precisava da autorização do seu marido para desempenhar qualquer profissão fora do lar. Mesmo assim, a inclusão da mulher na produção criou as origens de sua luta pela libertação, o que possibilitava uma independência econômica que quebraria os laços da dominação do homem e da família.
De fato, desde o início, essa questão provocava discussões e debates, fazendo emergir posições contraditórias, inclusive quando o tema abordado era o sufrágio feminino. Era motivo de zombaria ou utopia só o fato de imaginar mulheres adquirindo por completo a sua cidadania.
No final da década de 1920, as mulheres aspiravam o direito político e objetivavam a conquista de sua cidadania através da participação política. O primeiro dos projetos que visava dar direito de voto à mulher foi de Maurício de Lacerda (1917), depois Justo Chermont (1920), representante do estado do Pará, e em seguida Moniz Sodré (1925). Todos eles redundaram no fracasso devido à timidez dos políticos.
Contudo, o voto se impôs e aconteceu no Rio Grande do Norte, precisamente na cidade de Mossoró. Em 1926, José Augusto, então governador do Rio Grande do Norte, promoveu a reforma da Constituição do Estado, tentando adaptá-la à Constituição Federal. Elaborou nesse mesmo ano uma nova Constituição política pelo Congresso Estadual Constituinte.
E, assim, feita a revisão da Constituição do Rio Grande do Norte, por exigência do senador Juvenal Lamartine, junto ao governador José Augusto, foi nela incluído um dispositivo “consagrando a igualdade de direitos dos cidadãos de ambos os sexos”. Nas suas disposições transitórias, lá estava o artigo 77, que dizia: – “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei.” Esse dispositivo foi apresentado pelo deputado e líder do governo, o mossoroense Adauto Câmara, por solicitação de Juvenal Lamartine.
Em 25 de outubro de 1927, quando da aprovação da lei 660, ficou clara a permissão de direitos dados à mulher de interferir na política norte-rio-grandense.
Foi com base nessa lei que, a 25 de novembro do mesmo ano, a professora Celina Guimarães Viana requereu sua inclusão no alistamento eleitoral. Seu requerimento preencheu todas as exigências da lei e nesse mesmo dia, verificados os documentos que o acompanhavam, exarou o juiz Israel Ferreira Nunes, então juiz eleitoral de Mossoró, em substituição ao dr. Eufrásio de Oliveira, seu jurídico despacho, mandando incluir o nome da requerente na lista geral de eleitores. Esse despacho, hoje um documento de imenso valor histórico, encontra-se no Museu Histórico “Lauro da Escóssia”, em Mossoró.
Decidido o seu caso, Celina enviou um telegrama de apelo ao presidente do Senado Federal, para que as compatriotas obtivessem o mesmo direito: “Peço nome mulher brasileira seja aprovado projeto instituindo voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal.”
Mesmo não sendo um feminista, José Augusto ingressou na história do desse movimento, tornando-se o primeiro a receber o voto feminino no Brasil com satisfação, o que não aconteceu com a Comissão de Poderes do Senado, que excluiu dos 10.612 votos considerados válidos, 15 votos femininos dados a José Augusto para senador da República.
José Augusto foi candidato a senador da República na vaga aberta pela renúncia de Juvenal Lamartine de Faria, que saiu candidato a governador do Estado. A não aceitação dos votos das mulheres norte-rio-grandense nesse pleito deveu-se ao fato da lei 660 ter abrangência apenas no âmbito do Rio Grande do Norte, sendo o voto feminino válido apenas para eleições no estado.
Esse fato, de maneira alguma, diminui o mérito de d. Celina Guimarães Viana. Afinal, só 5 anos depois, em 24 de fevereiro de 1932, é que as mulheres dos demais estados brasileiros viriam a conquistar esse direito. E nem eram todas as mulheres que podiam votar; somente as casadas (com permissão dos maridos), as viúvas e as solteiras que tivessem seu próprio dinheiro. Em 1934, após grande pressão popular, o presidente Getúlio Vargas tirou essas restrições do Código Eleitoral.
O PRIMEIRO VOTO
A atitude de Celina Guimarães incentivou outras mulheres de Mossoró e do Rio Grande do Norte a requer o direito de votar. E todos os pedidos feitos, mediante comprovação de documentos exigidos por lei, foram deferidos pelo juiz eleitoral. Tanto que quando Celina foi votar, pela primeira vez, em 5 de abril de 1928, teve a companhia das senhoras Beatriz Leite Morais e d. Elisa da Rocha Gurgel, que também obtiveram o registro eleitoral. Nas eleições daquele dia, o dr. José Augusto Bezerra de Medeiros concorria à vaga aberta no Senado por Juvenal Lamartine, que havia sido eleito para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte.
No momento de exercer o voto, no antigo prédio onde funciona a Biblioteca Municipal Ney Pontes, as três eleitoras foram recepcionadas na mesa eleitoral pelos senhores José Ribeiro Dantas, Augusto da Escóssia, Bonifácio Queiroz, além da presença do deputado federal Rafael Fernandes Gurjão e do dr. João Marcelino de Oliveira, delegados de partido.
Imagens de fotos registradas via celular (Museu Municipal Lauro da Escóssia)
Voto