Os Kriyas

O Hatha Yoga nasce da tradição tântrica que apresenta a visão dinâmica do universo. O Tantrismo enfatizava que o corpo tem grande importância e deve ser treinado a fim de adquirir práticas meritórias[1]. Os mestres tântricos aspiravam criar um corpo transubstanciado, como diz Feuestein, chamados de “adamantino” (vajra) ou “divino” (daiva), a ideia era transformar o corpo e torná-lo perfeito, não necessariamente um corpo de carne, mortal, mas de substância transcendente que o tornaria imortal. Na busca desta substância o Hatha Yoga passa ser o caminho mais sábio, e para trilhá-lo se faz necessárias diversas técnicas entre elas os Kriyas, nos quais são as técnicas de purificação.
Os Kriyas são tão importantes no yoga quanto os asanas. E por ser importante é necessário o conhecimento mais apurado de seus conceitos e práticas. Segundo Feuerstein (1998), o controle da respiração (prânâyâma) é o caminho para se chegar à força vital e este caminho é trilhado quando se prática o Hatha Yoga. Tais práticas são chamadas de Técnicas de Purificação no qual teve sua origem nos antigos yogins.

Os Kriyas têm como significado, segundo Alicia Souto (2009), o “processo de purificação interna”. Como tal, objetiva a purificação dos nadis[2] que poderão estar obstruídos. 
O Hatha Yoga Pradipiika no capítulo V verso 5 diz: “Quando todo sistema de nadis que está cheio de impurezas se torna limpo, somente então o yogui se torna capaz de controlar o prana”. Assim, se a devida limpeza não for realizada o yogui não poderá chegar a níveis mais elevados da prática.
Em uma linha de pensamento semelhante, Gharote, apoiado no Gheranda Samhita discorre que o Sodhana Kriyas[3] são processos de purificação do corpo nos quais têm como estágio final o Samadhi.
Contudo, e segundo Iyengar (1998), a aplicação dos kriyas deve ser usada quando o praticante estiver enfermo, e neste caso, como uma terapia, e não como uma parte do yoga. É só depois de haver esgotado toda a possibilidade de cura é que deveriam ser administrados os kriyas ao infermo, segundo suas necessidades. Iyengar, apoiando-se no Hatha Yoga Pradipika diz:
“que os efeitos advindos dos Kriyas também são obtidos com os asanas e pranayamas. Hoje, a maioria das pessoas pensa que hatha-ioga significa kriyas, mas isso não é verdade. Hatha-ioga consiste em asanas, pranayama, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi. Os kriyas são outra coisa, e destinam-se a pessoas com doenças graves” (IYENGA, 1998. p. 145).
De acordo com o autor, as práticas dos kriyas “são tratamentos drásticos, aplicáveis somente quando o caso é crônico, e não são indicados para todo mundo” (1998. p.145). A essas afirmativas Iyenga propõe a leitura dos textos do Hatha Yoga Pradipika no Capitulo 2,21.
Durante sua vida o homem vai se ocupando com afazeres que muitas vezes não supre a necessidade de sua existência. A conexão com sua essência vai quase que desaparecendo. Tais atitudes levam a acúmulos de obstruções somatizadas e daí o distanciamento e a perca da condição natural de pureza. A fim de desobstruir as vias de acesso a essa essência o Yoga propõe alguns rituais que irão levar o praticante a retomar as conexões que antes faziam parte de sua essência humana. Abaixo estão os rituais citados no livro Gheranda Samhita, verso 12 do capítulo I:

Vastra Dhauti
Neti sutra
Nauli

1. Dhauti – inclui limpeza do canal alimentar, olhos, ouvidos, dentes língua e todo do crânio.

2. Basti – limpeza do reto.

3. Neti – limpeza das fossas nasais.

4. Nauli – movimento dos retos abdominais.

5. Trataka – purificação dos olhos.

Vama Dhauti
6. Kapalabhati – purificação do sistema respiratório.

Classificando estes kriyas segundo o livro “A Essência do Hatha Yoga” tem-se:

a) Modo de limpeza

Com ar, como kapalabhati, certo tipo de basti.

Com água, como gajakarani, jalaneti, basti.

Por fricção com um elemento, como vastra dhauti.

Por manipulação do movimento: nauli, trataka.

b) Região de limpeza

Craneonasofarínge: net, kapalabhati, trataka etc.

Gastroesofágica: dhauti.

Ano-retointestinal: basti, nauli.

Algumas desses kriyas não são tão fáceis de fazer, são necessárias bastantes práticas e, muitas vezes, anos de treinamento.

Jalaneti
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[1] Sem o corpo, como realizar o [mais elevado] objetivo humano? Portanto, depois de adquirir uma morada corpórea, o ser deve realizar ações meritórias (punya).(1.18). (FEUERTEIN, 1998. p.462).
[2] Segundo o modelo tântrico do corpo humano, o canal axial (chamado de sushumnâ) é circundado pelos nândis ida e pingalâ, de forma helicóide. O idâ é o conduto ou o fluxo da força lunar, à esquerda do eixo do corpo, e o pingalâ é o condutor ou fluxo da força solar, à direita. A sílaba ha na palavra hatha também representa a força solar do corpo e a sílaba tha representa a força lunar. A palavra yoga significa a conjunção das duas, que é o estado extático de identidade entre o sujeito e o objeto. (FEUERTEIN, 1998. p. 471)

[3]“’ Sodhana’ é um conceito muito importante em Yoga. Karma, Kriya, Suddhikriya, Sauca, Nadisuddhi, Ghatasuddhi, Cittassuddhi são alguns dos termos bem-conhecidos usados para representar o conceito de ‘Sodhana’. Traduzindo literalmente, ‘Sodhana’ significa uma limpeza interna ou purificação. Mas em sentido mais amplo do termo, inclui também condicionamento ou fortalecimento”.(GHAROTE, 2000. p. 57).





REFERÊNCIAS

FEUERSTEIN, Georg. A tradição do yoga: história, literatura, filosofia e prática. São Paulo: Editora Pensamento, 1998. 

GHAROTE, Dr. M. L. Técnicas de Yoga. São Paulo: Phorte Editora, 2000. 

IYENGAR, B. K. S. A árvore do ioga: a eterna sabedoria do ioga aplicada à vida diária. São Paulo: Editora Globo, 2001. 

SOUTO, Alicia. A essência do Hatha Yoga: Hatha Pradipka – Gheranda Samhita – Goraksha Shataka. São Paulo, 2009 

http://www.yogalotus.com.br/kriyas.htm (Acesso em: 09/10/2011)