A modernidade trouxe algo muito peculiar: a pressa, o apego as sensações intermitentes de curtíssima duração e o aparecer (o lado vitrine). No nosso século essas peculiaridades ganharam mais força, mais potência, e estão produzindo muita disfunção comportamental, mexendo com a personalidade, trazendo consigo os transtornos (preocupação, estresse, ansiedade), causas da baixa qualidade de vida.

Começo destacando a nossa fobia em ficarmos na solitude (não confundir com solidão), não suportamos ficar sozinhos e em silêncio (um sossego especial); não nos aguentamos. O silêncio está preste a se tornar um bem caríssimo, disse Umberto Eco em uma das suas crônicas. Somos impelidos por uma força involuntária que sussurra dentro das nossas mentes: OCUPE-SE! E assim que a escultamos cumprimos as ordens sem nenhuma objeção. Será que a ocupação e o barulho liberam também endorfina, já que muitos sentem prazer nisso? O que sei é que a coisa não aparece do nada, somos induzidos (às vezes desde criança, outras vezes pelo grupo de amigos, ou ainda pelo ambiente no qual frequentamos, além de tantas outras formas mais sutis que desconhecemos), melhor dizendo, somos adestrados a ficar sob as rédeas da ocupação e do barulho. A frase do poeta inglês, William Cowper, que viveu no século dezoito, traz o seguinte alerta: “a desocupação não é repouso; uma mente absolutamente vazia vive angustiada”. Destaco também a frase de Turguêniev (escritor russo) na voz de seu personagem, Bazárov: “no poço silencioso se esconde o diabo”. Estas frases são quase sinônimas do provérbio que é bastante conhecido: “mente vazia é oficina do diabo”. Alguns cristãos tentam atribuir este provérbio a Bíblia, na verdade certos versículos parecem se referir a isto, mas a mensagem é outra, como a que está na Epístola de Paulo aos Colossenses, ou em Mateus. Seja lá como for, a reverberação de que a ‘cabeça vazia’ é sinônimo de coisa má, confabula contra a solitude e o silêncio, hoje em dia tão essencial.

A ressonância desses ditos parece provocar certa consciência coletiva coercitiva, que se impõe sobre a consciência individual de maneira bruta e corrosiva, a ponto de acreditarmos que aquela pessoa que escolheu ficar na solitude é problemática ou antissocial. Criamos um certo preconceito, perdemos empatia com o diferente; criamos uma bolha protetiva ao nosso redor para afastar para bem longe o que é diferente. Nessa bolha vivem aqueles que estão sempre ocupados com algo, sempre ativo, onde o que se impera é a lei do nunca ficar no ócio. Quem entrar nessa bolha, inicialmente, sentirá desconforto e acredita que não conseguirá ficar nela por muito tempo. Contudo, o neófito se habitua com as condições impostas; passados alguns meses é absorvido tão perfeitamente que não sente as mudanças acontecerem. Pronto! De agora em diante, libertar-se dessa bolha é muito difícil. Tudo nela gira em torno do movimento contínuo com velocidades variáveis e aceleração crescente.

Essa busca pela ocupação desencadeia frenesi, e com ela vêm os distúrbios de comportamentos. Perde-se qualidade de vida; pior, aceita-se perder qualidade de vida em detrimento de manter-se ocupado, em querer estar sempre aparecendo, prestando-se de vitrine: querer estar sempre nas paradas da moda, ou ter muitas curtidas e comentários nas redes sociais, ou se ocupar excessivamente em responder as mensagens do WhatsApp, Facebook, Instagram, Telegram e tantas outras redes sociais, de forma a manter-se atualizado sobre as fofocas, os besteiróis do momento,  nos quais consomem tempos preciosos; ou de outra forma, ser destaque no local de trabalho — quando é exigido performance desgastantes para atingir certas metas ou programas. Tudo isto tem custo emocional que será pago com sua vida, não pela perda, mas pela apoquentação. Dentre tantas possibilidades de se perder qualidade de vida destacarei aqui duas delas.

Em algumas empresas o modelo de desempenho que cada funcionário tem de seguir é de sempre estar a um passo adiante das metas propostas. A noção de desempenho é levado ao extremo, e as metas tornam-se abusivas (CLT, leis trabalhistas, artigo 483). Byung-Chul Han, em seu livro Sociedade do cansaço, afirma que “a sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho”. O mesmo autor, citando Hanna Arendt, acrescenta: “A sociedade moderna, enquanto sociedade do trabalho, aniquila toda possibilidade de agir, degradando o homem a um animal laborans – um animal trabalhador”. Para esconder a forma perniciosa do cumprimento das metas pelos funcionários, as empresas utilizam-se do assédio moral (crime registrado pelas leis: Código Penal 146-A, 203-A; Constituição Federal, Art.1°, Inciso III) quando predispõe no funcionário a ideia de ser desleixado, ou desinteressado, ou mesmo incompetente por não atingir as metas programadas. Ocorre que algumas vezes se passe despercebido o ato da infração, pois empresas tentam utilizar-se da sutileza e da dissimulação para esconderem o delito; contudo, o funcionário sente as exigências depois de um certo tempo de serviços extenuante. Aos que conseguem cumprir as metas abusivas são colocados em destaque com foto fixada na parede do estabelecimento ou são apresentados em sites da empresa, e tantas outras maneiras de dizer aos demais que ele (ou ela) é estimado pela companhia e que os demais devem segui-lo. Outra forma de perder o sossego, bastante comum na vida do trabalhador, é cair na onda do “trabalhar por amor”. Esta frase simples traz consigo armadilha. Prefiro a expressão: “amar o que faz”. Esta, imputa gozo; aquela, coage. Quando alguém sabe que você “trabalha por amor” costuma utilizar-se abusivamente da sua obrigação. Impõe, aos poucos, tarefas paralelas nas quais são somadas as que você já assume. Aquele que não quer assumir novas tarefas (sabendo que trabalhar por amor não cola quando se está suficientemente comprometido com tarefas anteriores), às vezes por pura preservação, é visto como o “do contra”. Este, “do contra”, aprendeu que o NÃO é tão importante quanto o SIM. Saber dizer NÃO a tudo que tenta levar você ao excesso é uma forma de aprendizado. Não vale a pena se envolver além do seu limite seguro de viver com qualidade; é preferível o amor-próprio, que faz você amar o que faz.

Já a internet — não obstante, tem muita relevância no meio social: facilita a execução das tarefas sem que a gente tenha que se deslocar, promove o desenvolvimento intelectual de crianças (jogos educativos, relacionamento com outras pessoas no qual seria difícil um encontro pessoal), facilita o contato entre pessoas que têm problemas com interação real etc. — possibilita o afloramento das mais variadas personalidades exóticas, e muitas das vezes, sem escrúpulos (a internet não os pariu, mas colocou-os em contato com o restante do mundo). O Instagram é uma destas pontes entre nichos heterogêneos. Traz consigo muita coisa boa e muita coisa de má índole; é como dizia Johan W Von Goethe, “não há paraíso sem serpente, nem céu sem demônio”.

Estudos realizados pela Royal Society for Public Health (RSPH), instituição de saúde pública do Reino Unido, aponta que o uso inapropriado do Instagram ou do Snapchat prejudica o desempenho dos jovens. A executiva da RSPH, Shirley Cramer, afirma que as plataformas vêm causando (quando em uso abusivo) impacto negativo na saúde mental, gerando sentimentos de inadequação e ansiedade.

Também pudera, se você se dispor em gastar um pouco mais de seu tempo e tomar a inciativa de olhar as postagens nos vários feeds do Instagram de algumas pessoas, pensará que todo mundo vive num paraíso no qual os deuses deixaram você de fora. Uma parte significativa das fotos postadas nas redes sociais mostram que o mundo não é o mesmo em que você vive. Parece ser algo fora da realidade. São os encontros com amigos, os ensaios fotográficos e de vídeos amadores para mostrarem às últimas compras (moto, carros, roupas, brincos, sapatos, souvenir), registros de passeio em álbuns de viagens, passeios em restaurantes, registros no lar, esbanjando corpos seminus (ou nus), enfim, são registros do cotidiano: dançar, comer, dormir, sair, nadar etc.; temas e assuntos não faltam. O que vemos pode ser uma manipulação do cotidiano através da imagem encenada, narrativa forjada. Nada mais é do que uma representação de um lapso de tempo, muitas vezes algo muito ínfimo de um registro de um certo momento no meio de milhares de outros momentos que não foram registrados e apresentados. As selfies e as fotos nos dão possibilidades para criarmos personas, termo cunhado por Jung, ou seja, cria-se máscaras para representar algo como verdadeiro, mas que na realidade não é. A máscara criada tem o poder de fazê-lo entender que aquelas pessoas nos registros são todas felizes, que estão gozando de boa saúde, experimentando o paraíso na Terra, onde todos são fodões e você é “fodinha”.

Então, nada de achar que você está aí sofrendo, abandonado pelos deuses, e aquela pessoa esteja numa boa. É bem possível que o forjador esteja bem mais na fossa do que você, cantando a música infantil marré deci, devendo a Deus e ao mundo, que pegou até dinheiro emprestado para pagar a conta da energia, da água ou do celular. Estes forjadores de narrativas muitas vezes pagam alto preço pela ficção, aqueles tostãozinhos farão falta depois. Muitos destes desregrados vão em busca de esmola, pedir ajuda àqueles que souberam se resguardar — lembra a fábula da cigarra e da formiga: nos ensinam que se deve poupar para enfrentar os piores momentos. Pode ser também que a pessoa esteja com “dor de cotovelo” e quer mostrar ao “ex” (o amado, ou a amada), que com ele (ou com ela) esteja tudo bem, mas na verdade não está.

Há custos a serem pagos pelo fingimento, pela encenação e por ser esbanjador. Àquela foto com sorriso forçado (desvirtuamento do fato), adulteração deliberada da realidade mundana, tudo isto com objetivo de macular o real, esconder a serpente que todo paraíso traz, ou mesmo, encafurnar o inferno que vem atrelado a realidade, a vida como ela é (dizia Nelson Rodrigues). Bom… em relação a isto tudo não tenho nada a ver, afinal, e como já dizia a música Sharon Acyoli: “cada um no seu quadrado”.

Entretanto, muitos caem neste conto do vigário e se sentem acanhados e incomodados, são bombardeados pelas encenações. Diante do oceano de imagens e vídeos alheios a pessoa é levada a fazer comparações. O padrão (ou o paraíso) é sempre a rede social do outro (a grama do vizinho é sempre a mais verde), e é exatamente aí que você irá comparar com o seu: Instagram capenga, quase sem fotos (alguns gatos pingados) e vídeos sem muito impacto aos olhos alheios; enfim, postagens pobres de marré deci.

Para que você possa amenizar o seu lado cobiçador, é só ficar atento a função de um certo mecanismo que existe nas redes sociais cujo nome é ALGORITMO. Lembre-se sempre: quanto mais você fuçar nas contas alheias, ou seguir alguém, para saber o que as outras pessoas estão fazendo (inventando o mundo perfeito), mais o cãozinho chamado ALGORITMO (mecanismo que “reconhece” o que é do seu interesse quando você faz curtidas,  postagens, comentários e visualizações), que é o responsável por trazer aquilo que você quer ver, irá atiçar (catucar o outro cãozinho dos sete pecados capitais), facilitar e mostrar para você as vidas alheias de maneira contínua e sem trégua.

As redes sociais parecem funcionar como uma espécie de coliseu virtual, no qual diversos ringues (os feeds) espalhados nesse imenso espaços estão em atividades contínuas:  pessoas se digladiam, sagram de ódio, flutuam de amores, outras assistem tudo de camarote, algumas alugam ou vendem seus produtos (às vezes é o próprio corpo), fazem protestos, mandam recados… Competições afloram quando o assunto é o produto do momento, o frenesi é mais intenso pois sempre tem alguém que quer colocar o seu troféu à vista. Por exemplo, no quesito beleza  — e aqui cabe uma observação necessária: estereótipos criados pela mídia, ideais apreciadas em campanhas publicitárias (perfil corporal), impõe padrão de beleza e pressionam as mulheres a atingirem certo padrão de perfeição (algo do tipo: jovens, belas, altas e magras); estudos realizados pelo Núcleo de Doenças da Beleza da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Universidade Veiga de Almeida e a marca Dove em 2016, revelou que 71% das mulheres brasileiras se sentem pressionadas para serem perfeitas. Dado como este reforça o que se percebe nas redes sociais — há uma enxurrada de aparências empurrada para competição desumana, estereotipadas, provocada pela “deusa” mídia. O contexto dessa disputa remete a mitologia grega, onde a deusa Éris (personificação da discórdia) aparece em um banquete no Olimpo onde estavam presentes Afrodite, Hera e Atenas. Éris, incomodada por não ter sido convidada, colocou sobre a mesa um pomo dourado com a seguinte inscrição: “À mais bela”. Pronto!…a disputa nasceu. Deste ato floresceu-se as discórdias entre as três deusas que reivindicavam o pomo dourado, a balbúrdia foi o estopim para o começo da Guerra de Troia.

Assim, manter-se ativo, constantemente tendo que postar no feed algo no qual seja curtido pelos seus seguidores, em busca por recompensa sensorial de prazer, neste caso um prazer intermitente e de pouquíssima duração, a qual se agarra a um novo reforço (outra postagem) para manter a sensação prazerosa por mais tempo, apetecer por este tipo de sensação de prazer é abrir a guarda para a chegada das doenças da alma (depressão, ansiedade e fobias). Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, pondera sobre os tempos atuais como sendo a “era da ansiedade” onde o excesso e as intermitências das informações causam angústias. Em seu livro Modernidade líquida ele afirma: “A consumação está sempre no futuro, e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se não antes. Ser moderno significa estar sempre à frente de si mesmo”. Essa atitude vigorosa da pressa vem se tornando um caos social.

Vale salientar que na maioria das vezes somos os responsáveis pela nossa fadiga mental. Deixamos que nossas mentes se apeguem a hábitos cheios de bifurcações perigosas e comprometedoras da nossa qualidade de vida. Por outro lado, somos constantemente confrontados com as contingências do devir, ficamos cara a cara com o desconhecido que entra em nossa vida sem convite. Assim como uma visita que vem a sua casa sem aviso, algo meio sem noção, e faz desandar o que você tinha planejado para o seu dia. A contingência também provoca seu efeito, muitas vezes cria o caos e vai embora. Este tipo de evento não depende das nossas ações, requer que estejamos prontos para qualquer sobre saltos. Dizem que tudo isto vem para nos fortalecer, marcar a personalidade a ferro e fogo, de modo a nos cobrar coragem na adversidade. Como escreveu Guimarães Rosa na obra Grande sertão veredas: “a vida (…) o que ela quer da gente é coragem”. A sabedoria oriental nos ensina que o caminho mais apropriado para transformar a afobação da modernidade será através do cultivo de bons hábitos. Mas para isto você terá que fazer esforço inicial, pois até para se chegar no estágio do bem viver faz-se necessária a disposição de ânimo (diferente de zoeira e afobação), posto que os maus hábitos não sairão de você tão facilmente. É você contra vocês mesmo. Coragem! Siga a dica da frase que está no portão do templo de Apolo: Conhece-te a ti mesmo.