por Lindeberg Ventura de Sousa
A nossa egrégia Cobal é um furdunço só.
Manhã de sábado, temperatura amena na cidade, pássaros entoam suas notas musicais sobre árvores, telhados e postes. Um murmúrio de uma leve brisa faz as árvores acenarem para o dia que está pra nascer. A cor negra do céu dá sinal de que ainda passariam alguns minutos para que o sol mostrasse a sua face brilhante no horizonte. Nesse ínterim, gatos e cachorros, preocupados em se alimentarem esquecem as rixas e vão em busca de restos de alimentos em sacolas abandonadas. Os marchantes, verdureiros, mascates, além dos outros trabalhadores (encarregados de transportar as mercadorias para os boxes) se preparam para receberem em poucos minutos os frequentadores da Companhia Brasileira de Alimentos (criada no Brasil por João Goulart em 1962), sendo que depois passou a se chamar Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Aqui em Mossoró é costume as pessoas chamarem ainda de Cobal (Companhia Brasileira de Alimento), que atualmente, nesta cidade, o nome é Central de Abastecimento Prefeito Raimundo Soares.
Na Cobal o zunzunzum de pessoas e motores abafam qualquer sussurros do dia que nasce. Carros, motos, carroças e bicicletas entram e saem do recinto trazendo e levando frutas, carnes, ovos, cereais, entre outras coisas. Diversas pessoas vindos de outras cidades estacionam os caminhões e caminhonetas, abarrotados de produtos para abastecer os pontos de vendas. Do lado de dentro do recinto (em um galpão coberto) trabalhadores levam pedaços maiores das carnes de gado, bode ou carneiro nas costas ou em carrinhos manuais de cargas; algumas destas carnes estavam congeladas – de cores escuras, possivelmente carnes de outros dias, trazidas em sacolas plásticas grandes. No entanto, a maior parte delas são frescas que acabavam de chegar da matança (abatedouro), haja vista um pequeno fio de sangue de cor intensa (sangue vivo) que escorria dos corpos dos animais abatidos. Os marchantes as recebiam e organizavam cada um em seus respectivos espaços no balcão ou pendurados na frente do boxe, próximo as demais carnes.
Em um recinto, adjacentes aos vendedores de carnes, do lado de fora da cobertura de alvenaria, todavia dentro da área comercial e em barracas metálicas, os verdureiros organizam em seus espaços os produtos que irão a venda. Alguns jogam água sobre o molho de coentro, sobre o alface, a rúcula, e o brócolis; outros, refazem os molhos de cheiro verde e coentros e, outros ainda, organizam as hortaliças em caixotes abertos apoiados em uma armação metálica. Alguns verdureiros debulham as escassas vagens de feijões enquanto que outros colocam os feijões em sacolas plásticas que logo em seguida serão pesada e padronizadas com massa de 1kg, cada.
Vizinho as barracas cobertas ficam outros feirantes que organizam seus produtos em locais improvisados em área aberta sem proteções de telas ou telhados, nos espaços improvisados são montados caixotes vazios nos quais colocam-se uns sobre os outros deixando-os na altura de uma mesa, outros utilizam os caixotes para organizarem legumes e frutas para servirem de amostras, ou ainda, usam os caixotes para sentarem. Nestes espaços improvisados as movimentações dos feirantes e compradores são bem maiores, apesar de mais menor os espaços para andar, em comparação a outros recintos da área comercial padronizados, pois os espaços improvisados permitiam maior tráfego de pessoas devido a organização aleatória dos postos de venda.
Em outra parte, tipo um salão grande com divisória de alvenaria estão grupos de feirantes varrendo e organizando seus espaços. Neste salão há também as pequenas lanchonetes onde são servidos alimentos. É aqui, nas lanchonetes, que algumas pessoas preferem desfrutar do café da manhã a tal da panelada. Jovens, adultos e idosos frequentam o local para um café reforçado cuja receita compreende, entre outras coisas bucho, tripa, nervo de boi, mocotó e muito mais. Nas áreas adjacentes ao salão, pelo lado de fora, protegidos em pequenas barracas estão os peixeiros que trazem em recipientes de isopor as variedades da chamada carne branca. Em seus postos, nos balcões, organizam os produtos por tipos e tamanhos.
Em meio a toda essa movimentação a hora avança, o sol já começa a despontar no horizonte e o dia começa a clarear. Os primeiros compradores aparecem trazendo consigo sacolas de tecido ou de palha, outros trazem carrinhos puxados a mão. Nos balcões onde estão as carnes eles testam o produto através do olhar, do cheiro e do tato, verificam o teor de gordura, ou seja, se a carne é gorda ou magra e a textura do produto; os marchantes ajudam apresentando seus produtos e oferecendo as partes melhores e mais preferidas dos clientes; galinhas caipira e frangos expostos em vários balcões, algumas vezes se misturando com outros tipos de carnes, são constantemente manuseados pelos clientes. Alguns procuram por miúdos de frango, outros preferem o frango inteiro, outros ainda pedem que retirem o pé e a cabeça. Em algumas bancadas, separada das demais carnes, estão o bucho, as tripas e o mocotó do boi.
É nessa algazarra de gente e som, em cujos espaços ecoam sons de serras cortando ossos e carnes, máquinas trituradoras em pleno funcionamento, batidas de facão partindo o bode e a cabra no sentido longitudinal e transversal, conversas entre grupos de pessoas, vendedores gritando as promoções, onde um comprador estava parado em uma banca olhando atento o açougueiro mostrar seu produto, uma carne que estava a venda num balcão sujo de sangue no qual as moscas sobre voavam o corpo do animal cortado em postas, só esperando os dois senhores saírem de perto para pousarem. – Veja só, é vinte (reais) o quilo – aponta o açougueiro para um grupo de carne do mesmo tipo – Esta aqui é da boa! (Leia-se com pouca gordura, macia, carne fresca). Vai querer? Na banca vizinha outro comprador observa atento o marchante colocar à vista o mocotó de boi, cupim, picanha e logo em seguida grita a promoção do produto.
Na feira diversos vendedores, avulsos, fazem propagandas de seus produtos:
– Aqui é um real, aqui é um real – falava o vendedor de verduras.
– Atenção, atenção controle para TV e DVD, antenas para televisão e desentupidor de fogão, limpador de para-brisa, tesouras amoladas, pen drive, é comigo mesmo! – repetia incansavelmente o vendedor de bugigangas.
– Meias e panos de prato em promoção… – Quer senhora, meias ou panos de pratos? – Veja só aqui estes panos de pratos, todos bordados. No mesmo local outro vendedor tentava convencer uma senhora a comprar o seu produto. Eram constantes estes sons de súplicas.
Tanto dentro do salão quanto nos locais onde estavam os açougueiros, ou ainda, nos locais onde ficam os vendedores avulsos os sons se cruzavam e muitas vezes eram indecifráveis, outras vezes entendíveis.
– É três por um (real), é três por um (real) – dizia o vendedor de mamão.
– Vem e confira o tamanho e o sabor desta fruta, é cinco real. Pode ver, é das grandes, pegue aí – dizia o vendedor de melancia com uma das frutas cortadas servindo de amostra.
Nas barracas metálicas diversos produtos, além das frutas e legumes, pendurados a amostra chamam a atenção dos transeuntes: vassouras, espanadores, rodos, cordas, roupas, chapéus, chinelos de couro, eram alguns destes produtos. Sobre a bancada metálica os clientes encontram também artesanatos, flores, mel, óleo de coco e até remédios caseiros em garrafa (a tal da garrafada, que era preparada com diversos tipos de cascas ou flores, como por exemplo, mastruz com leite, lambedor de hortelã-da-folha-larda, cascas de cajueiro, cascas da goiabeira, etc.) ou a base de chás como capim santo, cidreira, boldo, quebra-pedra, entre outros. Todos bem posicionados e a um palmo do cliente, para que os mesmos possam pegar, cheirar, e caso goste, comprar.
Em outra barraca, colado ao salão onde estavam os cereais, pelo lado de fora, estavam os peixeiros, com suas facas peixeiras amoladas tratando o seu produto de venda. – Como você quer o corte (ou seja, fatias), para cozinhar ou para fritar? – perguntava o peixeiro ao cliente. Na bancada era possível encontrar diversos tipos de peixes da Região Nordeste a tilápia , corvina, carapeba, cioba, cavala, atum, bonito, serra, agulha, ubarana, dourado, sardinha, espada, barracuda e muitos outros.
Na frente da Cobal estavam também outros feirantes com diversos produtos como ovos, panelas, carnes, brechó, frutas e legumes. Todos apresentando seus produtos de maneira criativa, ou simplesmente, calados à espera do comprador.
Nas lanchonetes, trabalhadores da Cobal e frequentadores que vinham fazer suas compras aglomeram-se em mesas espalhadas nos corredores. Cada qual procurando tomar o seu café matinal. Os pedidos variavam desde chá, café com leite (alguns chamavam de pingado), café, tapioca, pasteis e até panelada. Esta última, muito famosa aqui nesta região, é preparada com vísceras, condimentos e legumes. Muitas pessoas vêm de outras localidades só para degustar do preparado, principalmente em épocas de festejos na cidade como o Mossoró Cidade Junina (MCJ), a Festa da Liberdade (conhecido com os festejos do 30 de setembro), entre outros eventos. A famosa panelada da Cobal, dizem, dá sustância e anima para enfrentar o dia a dia.
É assim que em todos os dias, como se fosse eternamente sábado, funciona a Cobal. Com toda algazarra, furdunço de sons audíveis misturados, entendíveis ou não, paradoxalmente organizados quando separados. É assim que uma parte da cidade se encontra, onde estes partilham das mesmas experiências de vida em plena dinamicidade, muito embora absorvida na individualidade de cada um. É assim que em um pequeno espaço de uma cidade, grupos de pessoas contribuem com toda uma população, direta ou indiretamente, seja na alimentação, nas revendas dos produtos (no comercio), na lavoura, na pecuária, na saúde e na economia. A Cobal, como chamamos, tem sua importância garantida no seio da sociedade mossoroense, e que se espalha para fora da realidade desta.