Dizem que quando a gente começa a falar, ou pensar, a frase: “no meu tempo era melhor (ou pior)” é sinal de que já se tem um caminho andado na contagem do tempo de vida, ou como dizem: já tem mais passado do que presente. No entanto, preciso falar de uma pequena parte do passado no qual o celular me ajudou bastante.

Na verdade, no meu tempo, a tecnologia da comunicação estava bem adiantada aqui no Brasil, e, no meu caso, servia muito bem para propósitos nobres. O meu primeiro celular era o Nokia 6160 — estou a falar da segunda metade dos anos noventa — servia para que eu pudesse encaminhar, ou arquivar, torpedos (mensagens) com informações diversas, fazia ligações para meus colegas de classe a fim de tirar algumas dúvidas sobre as aulas anteriores, ligava para meus familiares e namorada (a facilidade de entrar em contato a qualquer momento do dia, e em qualquer local, diferentemente dos telefones fixos ou orelhões públicos, era algo fenomenal) e ainda utilizava para entretenimento — o único entretenimento que fazia parte do sistema era o ‘jogo da cobrinha’, no qual não me agradava muito, jogava com parcimônia.

Daquela época para cá a tecnologia avançou a passos largos em todos os setores. Na educação, por exemplo, com a criação dos hardwares e softwares específicos para o ensino — introdução das TICs (Tecnologias de Informações e Comunicação), melhorias das ferramentas de trabalho, melhorias nas ferramentas de estudos, além de facilitar a interação entre professor e aluno —, os avanços trouxeram benefícios, mas também trouxeram algumas problemáticas.

Como sabemos, os sistemas operacionais dos aparelhos de celulares estão cada vez mais eficientes, com capacidade de interação avançada entre o usurário, o hardware e o software. Os smartphones se tornaram ferramentas multifuncionais nos quais oferecem infinidades de recursos como a facilitação na execução de tarefas, automatização de tarefas manuais, aumento da produtividade, afora tantas outras utilidades.

Entretanto, a inabilidade, ou o mau emprego desta tecnologia nas escolas, destaco o celular, tem trazido dissonâncias no processo de ensino e aprendizagem. Uma das problemáticas está na ausência de competência adequada de alguns professores em utilizar o artefato de maneira pedagógica, a despeito de algumas tentativas propostas por professores e pedagogos — como, por exemplo, trabalhos produzidos e apresentados na forma de podcast (em áudios e vídeos) e a criação de projetos escolares nos quais o Instagram, criado pela turma, serve como marketing de apresentação do trabalho realizado.

Por diversas razões, a escola e seu corpo docente ainda não conseguiram encontrar estratégias mais eficientes que possam ser mais atrativas do que certos aplicativos nos aparelhos, visto que os algoritmos estão cada vez mais ganhando espaços na sala de aula por promoverem o entretenimento particularizado; no entanto, nós, professores, estamos perdendo espaço na implementação do saber formal, coisa que requer esforço e concentração — muitas vezes exige seriedade no trato, posto que a formalidade se faz necessária.

A segunda problemática tem a ver com o empregoinadequado destes aparelhos por parte dos estudantes. Eles se distraem acessando as redes sociais no momento da aula. Costumam postar fotos (ou olham fotos postadas por outrem), ou verificam se alguém curtiu seus postes, e/ou conversam pelo WhatsApp.  Em minhas aulas (desde que não esteja utilizando o celular com fins pedagógicos) peço para eles não acessarem o aparelho até o término.

Deixo claro que é peremptoriamente proibido valer-se do aparelho sem a devida permissão — em reunião de pais e professores informo sobre a proibição. Caso haja reincidência, informo que o usuário ficará com a falta daquela aula diário, haja vista estar só de corpo presente.

E se, por teimosia ou rebeldia (da idade), retomo o contato com o responsável (os pais) e informo do problema. Mesmo com todas essas medidas há os que burlam as regras e fazem uso as escondidas: com o celular embaixo da carteira, ou detrás da bolsa ou cadernos ou sobre a perna; outros, ainda, utilizam o fone de ouvido para escutar música, assistir vídeos ou jogar.

Há constantes distrações com uso frequente dos celulares durante as aulas. Claro, não é um fato isolado, em diversas escolas do país a problemática se repete. Pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Estudante (Pisa) 2022 — na qual mostrou que oito em cada 10 alunos brasileiros de 15 anos disseram que se distraem com o uso de celulares nas aulas de matemática.

Creio que a educação deve aprimorar, no sentido de aprofundar, as discussões sobre os impactos positivos e negativos causados pelas tecnologias na sociedade; tal tema deve ser considerado um imperativo categórico.

Reforço o alerta, toda esta tecnologia tem trazido, além de boas mudanças, percalços de difícil resolução. Talvez, e falando de um modo geral, estes percalços tenham relação com a falta de consciência da finalidade primeira e útil do que seja ciência e do uso adequado das tecnologias. Edgar Morin, autor do livro “Ciência com Consciência”, destaca a importância do fazer ciência atrelado a consciência dessa ação — saber, ou deduzir, a causa e efeito de uma determinada ação que envolve a ciência e suas tecnologias.

Attico Chassot, no livro “Alfabetização Científica”, nos chama a atenção para importância de fazermos reflexões sobre a utilização da ciência, assim como as tecnologias, em todos os setores da nossa sociedade. Para Chassot, a educação tem o dever de alicerçar através das discussões, da história da ciência, o que ele chama de educação científica, uma base onde as questões são colocadas de maneira a levar em conta a cidadania, assim como a tecnologia e a formação dos que estão nela envolvida, a fim de que se possa utilizar a ciência e os aparatos tecnológicos de maneira mais eficazes e em favor do usuário.

Uma educação cientifica apropriada irá extirpar as falsas ideias, os misticismos, a ignorância das quais relataram Carl Sagan e Ronaldo Pilati nos respectivos livros, “O mundo assombrado pelos demônios” e “Ciência e pseudociência”. Desta forma, para uma educação mais eficaz se faz necessária um olhar mais crítico e renovado dos métodos e processos científicos, é o que relata António Cachapuz no livro “A necessária revolução do ensino das ciências”.